Quando Economistas que atuam como professores nas Faculdades de Ciências Econômicas/Economia se encontram em eventos, cursos ou mesmo informalmente, é comum vir à tona nas conversas entre os pares um assunto em especial: a grade dos cursos de graduação. De um lado, há os que só fazem elogios à “completa formação do Economista”. De outro, há os que defendem a necessidade de melhorias. Os coordenadores dos cursos de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Renildo Souza*, e da Universidade Salvador (Unifacs), Gustavo Pessoti**, refletiram o assunto e emitiram opiniões para este Jornal. Confira abaixo um resumo do pensamento de ambos sobre o tema, mas não deixe de conferir a versão mais completa destas reflexões no site www.corecon-ba.org.br
A lista das disciplinas obrigatórias está contemplada na Resolução nº 04 de 13 de julho de 2007 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, que fixou as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Ciências Econômicas. No entanto, existe uma certa flexibilidade que permite a existência das diferenciações entre as grades dos cursos, de acordo com o Projeto Pedagógico de cada Instituição de Ensino Superior (IES).
FOCO DA REFLEXÃO: Disciplinas de base como filosofia, sociologia, matemática e língua portuguesa e de outras áreas como Direito, Administração e Psicologia.
Renildo Souza – Matérias como matemática compõem a base indispensável para que seja introduzida a formação técnico-científica de qualidade em Economia. Outras contribuem para a formação de atitudes de responsabilidade social e alargamento cultural, formando cidadãos com espírito crítico, senso ético e comprometimento político.
Gustavo Pessoti – É fundamental que o Economista tenha conhecimento de tais disciplinas, uma vez que a Economia dialoga constantemente com essas áreas de pensamento. O domínio da língua portuguesa e da matemática, por exemplo, é bastante requerido no exercício da profissão. Por isso, tais matérias são indispensáveis para a formação do Economista.
FOCO: Cálculos matemáticos e desenvolvimento do raciocínio lógico.
Gustavo Pessoti – A aptidão para a profissão de Economista pode começar pela identificação do aluno do Ensino Médio com disciplinas de história e matemática. No entanto, essa resposta é muito relativa. Conheço grandes Economistas que não enveredaram para a área dos números e estão muito bem empregados. O mercado de trabalho do Economista é amplo e diversificado. Gostar de trabalhar com números é uma das portas de entrada desse mercado. Mas o principal diferencial do Economista é o referencial teórico que embasa e legitima suas decisões na organização em que ele está inserido.
Renildo Souza – A formação teórico-quantitativa é central no curso de Economia. O instrumental matemático, estatístico e econométrico, tem importância evidente para o estudo e aplicação da Economia. No novo currículo da UFBA, há ampliação para seis disciplinas no campo dos métodos quantitativos. Os conteúdos dessa formação voltam-se para a própria natureza profissional do Economista. Conjuntamente, a formação teórica, o conhecimento histórico e o treinamento com métodos quantitativos asseguram a formação do bom Economista.
FOCO: Matérias relacionadas à História Econômica.
Renildo Souza – Ao estudante não pode ser negada a exposição das concepções, fundamentos e divergências das correntes de pensamento que inspiram e condicionam os estudos econômicos. A dimensão histórico-institucional permite ao estudante a compreensão dos problemas econômicos em sua evolução histórica no Brasil e no mundo.
Gustavo Pessoti – Os fatos econômicos não podem ser avaliados sem a consideração do seu contexto histórico. Por isso, a formação do Economista deve incluir o contato com as várias escolas de pensamento econômico, inclusive aquelas com forte predomínio histórico.
FOCO: Economia Regional e Local.
Gustavo Pessoti – Conheço alguns cursos que não apresentam a disciplina Economia Regional como obrigatória, mas cujos conteúdos são abordados em outras disciplinas. Acho que é fundamental que o aluno conheça bem as especifidades da Economia Baiana, afinal boa parte deles vai atuar no mercado de trabalho local.
Renildo Souza – O curso de Economia da UFBA busca refletir a realidade social e econômica da Bahia e do Nordeste. Na verdade, as questões econômicas regionais são objeto de interesse no nosso ensino, pesquisa e extensão e este interesse se estende aos assuntos da economia do meio ambiente.
FOCO: Finanças Públicas x Economia Empresarial.
Gustavo Pessoti – Independente da disciplina “Economia Empresarial” constar no Projeto Pedagógico de um curso de Economia, o Economista deve estar, ao final de sua graduação, apto a trabalhar no setor público ou no setor privado. No passado, havia uma crença de que o aluno formado em Economia necessariamente teria que ir trabalhar no setor público. Isso era normal, porque o setor público efetivamente abria muitos postos de trabalho. Mesmo naquela época era grande o número de Economistas que optavam por trabalhar no setor privado, sobretudo nos bancos e empresas industriais. Então, eu até acredito que essa disciplina possa ser incluída na grade das obrigatórias, mas não acho que dar uma ênfase à economia empresarial vai melhor qualificar o Economista para ingressar no setor privado.
Renildo Souza – As disciplinas, em geral, tratam de temas econômicos, que permitem a preparação técnica dos Economistas para atuar tanto no setor público como no setor privado. Aliás, temos testemunhado um crescente interesse de Empresas, que vão diretamente à Escola para divulgar processos seletivos para contratação de Economistas e oportunidades de estágios para os estudantes.
FOCO: Carga horária do curso.
Gustavo Pessoti – A carga horária mínima exigida pela Lei de Diretrizes Curriculares do MEC é de 3.000 horas. Na Universidade Salvador, oferecemos um curso com esta carga horária.. Não acho esta seja a questão mais relevante, mas sim o tempo e a dedicação que o aluno pode ter para passar na Universidade. Temos observado que os alunos perderam o hábito do convívio universitário. Normalmente eles trabalham nos turnos em que não estão na faculdade e dessa forma não dispensam mais atenção para visitar a biblioteca, participar das atividades da Empresa Júnior, das atividades de visitas técnicas e seminários. Acredito que essa formação complementar é muito importante para os alunos, mas pouco aproveitada pela maioria deles. Teoria e prática se complementam na formação acadêmica dos alunos. Exatamente por isso, penso que precisamos reunir todos os coordenadores dos cursos de Economia da Bahia, a partir da Associação Nacional das Graduações em Ciências Econômicas (ANGE), e repensar o Projeto Pedagógico dos cursos de Economia. Reforçar a teoria é muito importante, mas precisamos repensar em como criar mais ações de oficinas e laboratórios da prática econômica.
Renildo Souza – O curso da UFBA tem uma carga horária total de 3.232 horas, superando um pouco a exigência mínima legal. O estudante pode concluir o curso no tempo mínimo de quatro anos e no tempo máximo de sete anos. Considero que esses prazos e a carga horária fixada estão ajustados à preparação dos futuros profissionais de Economia. No Projeto Pedagógico, o nosso curso não é formulado para resultar, em quatro ou cinco anos, em um “produto pronto para o mercado”. Nosso ponto de vista é de que o curso destina-se a formar profissionais com habilidades específicas para sua inserção no mercado, sem dúvida, mas, principalmente, um sujeito ativo, com uma bagagem teórica sólida e que seja capaz, inclusive, de situar-se num mercado de trabalho em constante transformação, sem perder o interesse e a capacidade de aprender sempre. Sugerimos que os interessados em cursar Economia na UFBA leia atentamente a proposta do nosso Projeto Pedagógico.
FOCO: – Estágio supervisionado.
Gustavo Pessoti – O estágio não é obrigatório em algumas grades curriculares, mas em minha opinião deveria ser. Ter referencial teórico, embasamento histórico e raciocínio matemático são aspectos que por si só não preparam o Economista para o mercado de trabalho. É importante que ele saiba onde aplicar o que aprende em sala de aula. Além de sua função social, o estágio na área da Economia dá uma direção prática e complementar ao ensinamento teórico e contribui para que os alunos tenham melhores desempenhos na sequência do curso. Apesar de contraditória essa opinião, em função da diminuição de tempo para estudo, o aluno passa a ter acesso a um conjunto de conhecimentos complementares que ele não vê em sala de aula, mas que acaba reforçando a necessidade de se aplicar ainda mais nos estudos, para enfrentar um mercado de trabalho que só dará acesso aos mais qualificados. Muitos alunos melhoram seu desempenho acadêmico após o estágio supervisionado, inclusive boas monografias têm sido realizadas com base nessa experiência prática do mercado de trabalho do Economista.
Renildo Souza – As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Ciências Econômicas estabelecem o estágio curricular supervisionado como um elemento eventual, opcional, na composição do campo dos conteúdos teórico-práticos do Curso. Cabe esclarecer que essas diretrizes colocam as Atividades Complementares como componentes curriculares, que não se confundem com o Estágio, e permitem o reconhecimento e a avaliação de conhecimentos e habilidades dos estudantes em diversas experiências e ações, inclusive nas atividades extensivas relacionadas à interação com comunidades e com o mundo do trabalho. No curso da UFBA, de modo extracurricular, há uma intensa presença do estágio. Há uma busca interessante de estagiários por parte de diversas organizações públicas e privadas. O Colegiado apoia esses estágios, que são uma oportunidade para o aluno exercitar certa forma de interação entre teoria e prática, nas instituições públicas e nas empresas. O Estágio, entretanto, não pode se converter em um mecanismo de precarização do trabalho. É inaceitável a jornada abusiva e conflituosa com o horário de funcionamento do curso e a presença do aluno nas aulas. É preciso observar a legislação e ter clareza dos procedimentos didático-pedagógicos pertinentes ao Estágio para o estudante de Economia. Portanto, o Estágio, inclusive no modo extracurricular, deve se caracterizar como uma atividade pedagógica, com contribuição efetiva para o processo de formação do aluno, com complementação para a habilitação profissional. Ademais, há necessidade de planejamento e avaliação do Estágio, para que os objetivos pedagógicos sejam atingidos e para evitar desvirtuamentos estranhos ao conceito e finalidade do Estágio.
FOCO: Incentivo à pesquisa.
Renildo Souza – Durante o curso de graduação, a introdução e a iniciação dos alunos em pesquisa tem imensa importância para a qualidade e consistência de formação dos futuros economistas. As faculdades de Economia nas universidades públicas – federais e estaduais – destacam-se nas condições e oportunidades de pesquisa. No projeto pedagógico do curso na UFBA, constam as referências para as estratégias pedagógicas de incentivo à pesquisa, através da iniciação científica, buscando-se a integração entre teoria e prática, a interdisciplinaridade, além das relações entre a graduação e a pós-graduação, no nosso curso de Mestrado. Como condição para a conclusão do curso na graduação, a elaboração individual do trabalho monográfico, pelo aluno, é um exercício valioso de pesquisa e sistematização de dados, com o apoio do professor orientador. Contamos, na UFBA, com alguns grupos de pesquisa, abordando diversos temas. Há, assim, o exercício, no âmbito da pesquisa, do pluralismo teórico-metodológico, como é próprio da natureza das Ciências Econômicas, e é importante para a formação dos economistas. A composição do corpo docente, quase todos professores doutores, com dedicação exclusiva, favorece a atividade de pesquisa na Faculdade. Os estudantes, na Graduação, podem receber bolsas de iniciação científica da FAPESB (Fundação de Pesquisa do Estado da Bahia), CNPQ e outras agências e instituições.
Gustavo Pessoti – Eu não conheço um curso de Economia no qual não se tenha um forte incentivo à pesquisa. O que nos diferencia de outras profissões, daí porque prefiro chamar nosso curso de Ciências Econômicas e não apenas de Economia, é o fato de que nós contribuímos para o desenvolvimento da ciência e da pesquisa no país. Nós agregamos novos conhecimentos e teorias para o desenvolvimento de uma nação. Um país que não incentiva a pesquisa está condenando as gerações futuras ao subdesenvolvimento e à eterna dependência de tecnologias de países que incentivam a pesquisa. Todo Economista é também um pesquisador.
FOCO: Ensino à Distância (EAD)
Gustavo Pessoti – Ainda não tenho uma opinião completamente formada sobre esse assunto. Apesar de considerar que a escolha da universidade é muito importante para o desenvolvimento acadêmico dos alunos, considero que a evolução e o aprendizado dependem da dedicação aos estudos e aos livros. Não existe bom Economista que não tenha o hábito regular de ler, não apenas os manuais de macro e microeconomia, mas, sobretudo, os livros da história do pensamento econômico (Smith, Ricardo, Marx, Keynes, Schumpeter, Myrdal, entre outros). Se os ensinamentos da corrente de pensamento econômico puderem ser ministrados com o apoio da tecnologia da informação e acesso a amplos materiais de pesquisa, não tenho objeção alguma de que algumas disciplinas possam ser vistas à distância. Acho que ainda sou um pouco tradicional e considero a presença de um professor em uma sala de aula física, com encontros regulares, a principal forma de ensino/aprendizagem. Mas as potencialidades que podem ser exploradas nos ambientes virtuais impedem-me de rechaçar essa modalidade de ensino, que realmente vem se configurando como tendência em muitas áreas do conhecimento.
Renildo Souza – Na UFBA, não temos ainda a experiência da criação da modalidade à distância para o curso de Economia, embora a Faculdade e a Universidade contem com a utilização de muitos recursos tecnológicos para o processo de ensino-aprendizagem, com destaque para a internet, periódicos online, além das ferramentas disponíveis para os professores e alunos no ambiente virtual e no Projeto EAD/MOODLE na UFBA. Cada vez mais, as novas tecnologias são importantes na educação e permitem inovações na própria natureza da oferta de cursos. De qualquer forma, essa modalidade de curso à distância deve cumprir as diretrizes curriculares nacionais do curso de Economia, assegurando a formação dos economistas com conhecimentos , competências e habilidades, de forma ampla e sólida. Há especificidades do curso de EAD que não podem ser objeto de improvisação. Um curso de EAD precisa contar com políticas, normas e estruturas específicas, suficientes e adequadas, com professores, tutores, pessoal técnico e administrativo, além dos polos de apoio presencial. É preciso contar com recursos específicos como material impresso, videoconferência, aulas gravadas, ambiente virtual de ensino e aprendizagem e os encontros presenciais. Assim, cumpridos os requisitos indispensáveis, um curso de EAD em Economia pode ter qualidade, é claro.
* Renildo Souza é Bacharel e Mestre em Ciências Econômicas e Doutor em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Foi professor concursado na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e no Institudo Federal da Bahia (IFBA). Atualmente atua como professor, em regime de Dedicação Exclusiva (DE), na Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde coordena o Colegiado do Curso de Graduação. Tem produção bibliográfica nas áreas de Economia Política e Desenvolvimento, inclusive sobre as reformas na China. Tem um livro publicado, é coorganizador de outro livro, publicou oito capítulos de livro e publicou doze artigos.
** Gustavo Pessoti é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Mestre em Análise Regional pelo Programa de Desenvolvimento Regional e Urbano da Universidade Salvador (PPDRU-Unifacs), além de ser especialista na área de Planejamento Regional. É funcionário público, Diretor de Indicadores e Estatísticas da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI/SEPLAN), professor e coordenador do curso de Ciências Econômicas da Universidade Salvador (Unifacs). É também conselheiro do Conselho Regional de Economia da Bahia (Corecon-Ba); Diretor Regional da Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Economia do Brasil (ANGE) e integrante do Comitê Técnico de Contas Regionais do Brasil, coordenado pelo IBGE Nacional.