A delação da JBS, divulgada na quarta feira, 17 de maio, após o mercado financeiro fechar, provocou um grande abalo na política e na economia. No dia seguinte, a queda acentuada dos ativos financeiros fez a Bolsa interromper temporariamente os negócios, lembrando os dias da crise de 2008. Isto ocorreu, no momento em que alguns indicadores antecedentes sugeriam uma tímida recuperação da economia brasileira. O Indicador Antecedente Composto da Economia (IACE-FGV), composto por oito componentes que medem a atividade econômica no Brasil, tinha diminuído 0,4% entre março e abril. Para a FGV, apesar dessa queda, as variações negativas que influenciaram o indicador antecedente de abril não eram suficientes para anular as altas dos meses anteriores. Ou seja, o indicador ainda apontava para uma discreta recuperação.
Divulgado dois dias antes da delação, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), que busca antecipar a trajetória do PIB, registrou alta de 1,12% no primeiro trimestre de 2017 frente ao último trimestre de 2016. No dia 1º de junho, veio a confirmação do IBGE. O PIB, no mesmo período de comparação, efetivamente cresceu. A expansão de 1,0%, um pouco menor que a prevista pelo Banco Central, foi o primeiro resultado positivo desde o quarto trimestre de 2014. Ela foi comemorada pelo presidente Temer como o fim da recessão. Um exagero compreensível, dado o atual momento político cheio de péssimas notícias para o governo.
Por que exagero? Teoricamente, para que uma economia seja considerada em expansão é preciso que o crescimento se espalhe por vários setores de forma sustentada, algo que não está ocorrendo no Brasil. Na mesma base de comparação, o desempenho da agricultura (13,4%), influenciado pela super safra de grãos e vinculado à dinâmica de exportações, foi o principal responsável pelo crescimento do PIB. Essa influência tende a perder gradativamente força ao longo do ano. O crescimento industrial (0,9%) não parece consolidado. A produção industrial de março com relação a fevereiro apontou uma queda de 1,3%, enquanto a de abril com relação a março, último dado disponível, mostrou avanço de 0,6%. Foi o melhor resultado para a indústria desde abril de 2013. Nos serviços, que respondem por mais de 70% do PIB na ótica da oferta, não houve avanço (0,0%).
Ainda que seja muito prematuro falar em fim da recessão, fica uma questão: como a atual crise política afetará a incipiente recuperação econômica que parecia em curso? Para alguns analistas, ela está irremediavelmente comprometida. Inexistirão condições políticas para aprovar as reformas que pareciam se aproximar, principalmente a previdenciária. Sem elas, as expectativas otimistas nos mercados financeiros que animavam essa recuperação desaparecerão.
Arrisco outra hipótese: não são as reformas que estão por trás da discreta retomada econômica, mas sim a queda da inflação. O consumo das famílias – que contribui pelo lado da demanda com 65% para o PIB – depende da renda e do emprego. O desemprego está em nível recorde, mas os salários reais estão melhorando com a queda da inflação. Ela tem também permitido ao Banco Central derrubar os juros nominais, criando assim condições menos hostis de crédito, sem deixar de oferecer à banca os habituais e escorchantes juros reais. Essa redução dos juros e a liberação das contas inativas do FGTS facilitam o pagamento de dívidas e abrem espaço no orçamento das famílias. Deste modo, as famílias voltam lentamente a consumir. Esse consumo privado, no primeiro trimestre de 2017, frente ao último trimestre de 2016, seguiu em leve baixa (-0,1%). Houve, todavia, uma tendência de melhora. As quedas anteriores foram maiores. Nos quatro trimestres de 2016, sempre comparados com os trimestres imediatamente anteriores, as variações negativas foram de, respectivamente, -1,2%, -1,0%, -0,3% e – 0,5%.
Se minha hipótese estiver correta, o que preocupa é a possibilidade da atual crise política levar a uma pausa na queda da inflação e, consequentemente, ao fim desses efeitos positivos, com destaque para o corte de juros nominais. Há sinais que isso poderá acontecer? Como a economia é a ciência do talvez, a resposta é depende. O IGP-M de maio registrou deflação de 0,93%, após cair 1,10% um mês antes. É a menor taxa para meses de maio desde o inicio da série do indicador, em 1989. A queda foi puxada pela deflação no atacado, em especial dos produtos industriais, e pela desaceleração da alta nos preços ao consumidor. A alta capacidade ociosa da indústria e o desemprego, situação que pode se agravar com a crise, não permitem as empresas expandirem suas margens, sufocam o aumento de preço dos serviços, e seguram a inflação. O ajuste nas expectativas inflacionárias no pós crise foi bastante moderado. O boletim Focus prevê que o IPCA feche o próximo ano com alta de 4,40%, apenas 5 pontos-base acima da estimativa do começo do mês de maio e ainda abaixo do centro da meta de 4,5%.
E o dólar? Uma alta expressiva do seu valor poderia pressionar as matérias primas básicas e, consequentemente, a inflação. Novamente, nada parece indicar isso. O Brasil está colhendo uma super safra de grãos, o que ajuda a conter a alta dos alimentos. Ademais, o desempenho das exportações agrícolas, os leilões previstos do pré-sal e a disponibilidade de reservas no Banco Central são armas suficientes para inibir um ataque especulativo ao Real. Após subir 8% no dia seguinte à divulgação da conversa mais que suspeita entre o presidente Temer e um dos proprietários da JBS, e atingir R$ 3,40, o dólar parece estabilizado em torno de R$ 3,25 a R$ 3,30.
Resta o risco de no atual quadro político faltar acordo para fazer o ajuste fiscal. Isto impactaria as decisões do Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central a respeito da taxa Selic. Nos seus documentos oficiais, a autoridade monetária já citou os possíveis desdobramentos de uma eventual frustração das reformas fiscais: a queda da inflação não se mostraria sustentável ao longo do tempo, a política monetária perderia eficácia, e a taxa de juros estrutural da economia (aquela compatível com um cenário de crescimento econômico e estabilidade de preços) provavelmente não cairia dos altos níveis atuais.
Ao fim da reunião do COPOM na quarta-feira (31/05) – quando o corte do juro básico continuou no mesmo ritmo (um ponto percentual), não ocorrendo uma aceleração nesse ritmo como se imaginava antes da crise – o Banco Central voltou a reafirmar esse posicionamento. “O Comitê entende que o aumento recente da incerteza associada à evolução do processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira dificulta a queda mais célere das estimativas da taxa de juro estrutural e as torna mais incertas”. E acena com a possibilidade de, na próxima reunião do COPOM, promover “uma redução moderada do ritmo de flexibilização monetária em relação ao ritmo adotado hoje” (31/05) e quiçá reduzir o ciclo de queda dos juros. A mensagem parece clara. Mantidas as condições políticas atuais, o juro básico cairá menos e, talvez, num período menos prolongado.
Poderá isso ocorrer? Uma tentativa de resposta exige a construção de cenários para a atual crise política. Na ausência de uma forte mobilização popular, descarto a possibilidade de eleições diretas. Uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que prevê eleições diretas em caso de vacância da Presidência da República nos três primeiros anos de mandato, foi aprovada por unanimidade na Comissão de Constituição e Justiça do Senado no dia 31 de maio. Isto é apenas um primeiro passo de uma longa caminhada. Como toda PEC, ela precisa ser aprovada por 2/3 dos deputados e senadores, em dois turnos, na Câmara dos Deputados e no Senado. Há uma já demonstrada antipatia do atual Congresso de se envolver com uma PEC que legitime eleições diretas, além de sérias controvérsias jurídicas a respeito de quando as novas regras passariam a valer.
O segundo cenário admite a manutenção do presidente. Apesar da sua fragilidade, não será fácil tirá-lo da presidência. Imediatamente após a delação da JBS, partidos da oposição protocolaram pedidos de impeachment na Câmara. Para prosperarem, eles precisam primeiro ser aceitos pelo deputado Rodrigo Maia, presidente da casa e aliado de Temer, e depois aprovado por 2/3 da Câmara e do Senado. Tendo em vista as recentes votações nas casas e as incertezas políticas de tal decisão, principalmente as associadas a quem seria o sucessor, é difícil imaginar que o apoio de Temer se reduzirá a menos de 1/3 dos congressistas. Outra possibilidade de afastamento está no julgamento da chapa Dilma -Temer no TSE. Se a condenação acontecer, Temer poderá entrar com recursos no próprio TSE e depois no STF e, provavelmente, permanecerá no cargo enquanto estes não forem julgados.
Pode-se supor que mesmo sobrevivendo, o presidente perderia força no Congresso. Tenderiam a aumentar os problemas em sua base de apoio, prevalecendo o toma-ládá-cá. E, possivelmente, novas concessões na reforma de Previdência teriam que ser acordadas. O apoio ao governo dos segmentos da sociedade que defendem a reforma dependerá do alcance dessas concessões. Enfim, o governo Temer terá menor chance do que tinha até antes da delação de aprovar as reformas como desejava.
E se Temer cair? Pelas regras atuais, eleições indiretas serão convocadas e votam apenas os congressistas. Neste cenário, independentemente do eleito ser do Congresso ou de fora dele, pode-se esperar também do governo eleito por essas regras mais concessões na reforma previdenciária. Além disso, tudo indica que um atual representante do grupo político dominante seja eleito para com isso garantir a continuidade da política econômica.
Concluindo. Considero baixo o risco de uma guinada à esquerda que impeça algum tipo de avanço das reformas. Até as eleições de 2018, o cenário político será conturbado, mas as principais diretrizes adotadas pelo governo Temer serão mantidas, com ou sem ele na presidência. As reformas atrasam, mas não são descartadas, embora mais concessões sejam feitas. A recuperação econômica, lenta e modesta, avança entre altos e baixos.