Introdução
A globalização traz impactos que vão além da reestruturação de empresas e dos mercados, sendo capaz de redesenhar e promover alterações na divisão internacional e nacional do trabalho e provocar modificações significativas nas funções e nas dinâmicas das metrópoles regionais, nacionais e globais. Nesse contexto, muito se tem discutido sobre o impacto da globalização no âmbito das cidades iberoamericanas, o que tem suscitado importantes teses, que procuram identificar os resultados do processo de globalização sobre distintas metrópoles de diversos países.
A estreita associação entre a reestruturação econômica e a reconfiguração espacial, imposta pelo processo de globalização, é apontada por muitos autores, dentre eles, Sassen (1999), Castells (1997) e Mattos (2002).
As novas configurações da economia mundial, pós-anos 1970, de acordo com Sassen (1999), provocaram a reestruturação do sistema, criando uma “dualidade complexa”, enquanto a economia se dispersa no espaço, ela se integra na escala planetária. Criando, assim, um novo papel estratégico para as grandes cidades, o qual será identificado pela relação existente entre a economia local, nacional, ou mesmo global, definida pelo volume de negócios e fluxos de produtos, capitais e informações.
Para Castells (1999) e Sassen (1999), o processo de globalização é capaz de provocar alterações diferenciadas nas funções e dinâmicas das cidades, que tendem cada vez mais a se articular em redes globais.
Contudo, Sassen (2003) salienta que embora as novas tecnologias da informação facilitem a dispersão geográfica das atividades econômicas, a necessidade de integração do sistema requer acesso à contabilidade, serviços legais, projeção econômica e toda a classe de serviços especializados; o que reforça a importância da concentração central e as funções de controle das empresas.
Segundo Mattos (2008), a consolidação e a expansão desse diversificado conjunto de atividades, contribuíram na progressiva terceirização da base econômica urbana, na qual os serviços avançados passaram a desempenhar um papel estratégico na coordenação geral da rede fluxo. Dessa forma, ao invés das cidades se tornarem obsoletas, com a dispersão propiciada pelas tecnologias da informação, elas passaram a concentrar funções de comando e contratar serviços especializados.
Esses novos centros estratégicos se caracterizam por seu perfil essencialmente terciário, chamado de “terciário de ponta”, ou “terciário de comando” (SassEN, 1999).
Entretanto, apesar do alcance dos padrões impostos pelas redes hegemônicas, em âmbito mundial, deve m ser relativizadas tanto a intensidade quanto a forma como o processo de globalização repercute nas funções produtivas das metrópoles, bem como nos seus espaços urbanos; ou seja, a depender da função regional, nacional ou global das cidades, os impactos da globalização serão diferenciados, embora possam apresentar características e tendências comuns.
Nesse sentido, inserida em um contexto global, é possível se observar que a metrópole do estado da Bahia vem passando por transformações significativas, tanto na esfera produtiva como na socioespacial, as quais precisam ser mais bem compreendidas. Assim, o entendimento de como está se redefinindo a sua estrutura produtiva, do mercado de trabalho que essa “nova” produção está exigindo, bem como da relação dessas mudanças produtivas e sociais dentro do território, especificamente no espaço interno da metrópole, são análises fundamentais para ajudar no entendimento da questão, e oferecer subsídios para a formulação de políticas públicas.
Embora o conjunto de análises aqui desenvolvidas refira-se ao espaço conurbado da região, reconhecida como Região Metropolitana de Salvador (RMS)[1], necessário se faz esclarecer que alguns dados se referem ao total de municípios que a compõe, pela inexistência de informações recentes, com recortes intramunicipais e, sobretudo, porque a dinâmica da metrópole só pode ser entendida se relacionada à dinâmica econômica da referida região, em sua totalidade.
A metrópole baiana é uma das colonizações mais antiga da América Latina, e representa importante referência urbana para o Brasil, não só por sua dimensão populacional – terceira maior concentração do país, ultrapassando os 3,0 milhões de habitantes – mas, sobretudo, pela sua história e cultura. Entre outras características, desde sua fundação, ela surge vinculada a uma plataforma de desenvolvimento mundial, intermediando os fluxos de mercadorias, serviços e pessoas, tanto do estado como do mercado mundial.
A Região Metropolitana de Salvador (RMS) é a principal região econômica e demográfica do estado da Bahia, e concentra 58,2% do Produto Interno Bruto (PIB), baiano, e 25,5% da sua população[2]. Salvador, capital do Estado, é o mais importante município, respondendo por 24,4% de toda a riqueza gerada no território baiano, e por 50,6% da RMS, onde o mesmo exerce papel polarizador. A RMS é uma região com um forte papel complementar à matriz industrial brasileira, pela sua especialização na produção de insumos industriais, principalmente química e petroquímica. É também responsável por aproximadamente 68% das exportações e importações demandadas pelo Estado da Bahia e, saindo por seus portos, 3% da corrente do comércio do país.
Assim, o foco principal deste trabalho, portanto, é o de discutir e entender como o processo de globalização, mais intenso na economia brasileira, a partir da segunda metade dos anos de 1990, com a implementação do Plano Real[3], vem redefinindo a estrutura produtiva e o mercado de trabalho da metrópole baiana, bem como a influência dessas alterações produtivas no seu território e, mais especificamente, no da metrópole e na sua região. Ou seja, busca-se entender de que maneira os movimentos da economia afetam a dinâmica da metrópole e de seus subespaços.
Para uma abordagem mais detalhada, são colocadas as seguintes questões:
a) Como a metrópole baiana se integra e interage no contexto mundial, nacional e regional?
b) Quais as repercussões do processo de globalização na estrutura econômica metropolitana?
c) Como a nova dinâmica econômica se reespacializa e altera a estrutura de uso e ocupação do solo?
Para responder a estas questões, faz-se necessária uma breve leitura do processo de desenvolvimento da economia baiana, que apresenta, a partir da década de 1950, mudanças estruturais marcantes, vinculadas ao processo de industrialização regional, que alteraram, de forma significativa, a estrutura da sua economia, as funções econômicas do município de Salvador, de sua capital, e de sua região, identificada, neste trabalho, como Região Metropolitana.
1 Formação da Metrópole Baiana
A RMS começa a se configurar na década de 1950, com a intensificação da urbanização da metrópole e as mudanças estruturais na economia regional. A partir da segunda metade do século XX, a economia baiana passa por mudanças estruturais marcantes, vinculadas à industrialização, dando início a um novo ciclo de desenvolvimento e dinâmica socioeconômica; o que repercute sobre a estruturação dos municípios da região, sobretudo da metrópole.
Até a década de1950, aregião constituiu-se como importante entreposto comercial de uma economia de base agroexportadora, na qual prevalecia a agricultura do açúcar e do fumo, produzidos em uma região próxima, identificada como Recôncavo baiano. Do ponto de vista espacial, tal região se constituía na ocupação de maior densidade localizada em torno do núcleo histórico de Salvador.
Entre os anos 40 e50 aregião do Recôncavo enfrenta o ápice de uma crise econômica, relacionada ao declínio das zonas agrícolas e à redução das exportações de produtos primários, o que provoca uma migração intensiva da população da zona rural para a capital baiana, alterando profundamente o seu perfil demográfico e territorial.
Nesse período, a necessidade de estímulo às empresas locais engendrou uma nova ordem econômica, fundada no Modelo de Substituição de Importações – MSI[4]. Tal modelo foi instalado no Brasil, impondo uma nova divisão social do trabalho, comandada pelo capital industrial e financeiro. Esse processo foi implementado sob o comando do Estado brasileiro, que promoveu o desenvolvimento industrial, com a formação de um grande mercado interno; uma economia autárquica e, ao contrário do modelo anterior – primário-exportador – criando uma economia com acumulação endógena, autosustentada.
O avanço do processo de industrialização implicou, diretamente, na aceleração do crescimento de Salvador para além de sua base geográfica. A cidade, que até a década de 50 se desenvolveu em torno das atividades portuárias e administrativas, a partir das redefinições da sua estrutura produtiva regional e de seu papel na economia nacional, começa a passar por grandes transformações em sua estrutura econômica e social, que também se rebatem na organização espacial da cidade e da região.
Os novos investimentos, então, possibilitaram a articulação dos espaços regionais, que se estruturaram com base nos núcleos industriais e na articulação da metrópole, dando início à formação da Região Metropolitana de Salvador, institucionalizada em 1973.
Salvador expande-se; seja por meio do seu movimento populacional e/ou pelo deslocamento e descentralização das atividades terciárias, aumentando o seu grau de complexidade e adquirindo funções de serviços industriais, pessoais especializados e de turismo e lazer, mudando as suas funções de cidade para as de uma metrópole.
A ocupação espacial resultante de todo o processo se distanciou do núcleo inicial, quando foram constituídos novos bairros residenciais nas áreas até então periféricas. A administração pública ganhou maior peso; o comércio varejista acelerou sua renovação, com a multiplicação de shopping centers e supermercados. Por outro lado os serviços de consumo coletivo (notadamente educação e saúde) e outros serviços de consumo intermediário ou final (engenharia, transporte, telecomunicações) conheceram significativo desenvolvimento.
A ação da administração pública assume papel relevante neste processo, adequando à estrutura urbana as demandas dos setores econômicos e dos grupos de rendas médias e altas. Sua intervenção vai se efetivar na implantação da base física, para a localização industrial, com substanciais incentivos fiscais, e também na expansão da infraestrutura urbana, principalmente a viária.
Nesse período foram realizados diversos investimentos públicos no sistema viário. Foram implantados grandes equipamentos públicos, a exemplo do Centro Administrativo da Bahia, local onde foram centralizadas praticamente todas as secretarias do Estado. Os diversos empreendimentos instalados tiveram um papel fundamental no desenvolvimento de novos espaços urbanos e na articulação entre os municípios da região, redirecionando a expansão da ocupação da metrópole para a região Norte, em detrimento da antiga região, localizada, basicamente no Recôncavo.
Acompanhando esse movimento, ocorreu a ocupação da orla atlântica com os empreendimentos turísticos, movimento reforçado pela implantação de melhorias viárias, interligando as orlas marítimas de diversos municípios da região, o que promoveu a multiplicação dos imóveis de veraneio e empreendimentos turísticos, inclusive grandes resorts internacionais, ao longo do litoral.
Nesse mesmo período, o ritmo de crescimento demográfico se intensificou em vários municípios da região, quando se verificou a taxa de 4,7% a.a, entre 1960 e 1970 e 4.0% a.a. entre 1970 e 1980, em Salvador.
Nos municípios que compõem a RMS as taxas apresentaram crescimentos que chegaram a alcançar até 13,4%. Essa dinâmica se manteve até a década de 90, sem, contudo alterar a preponderância absoluta de Salvador, na região, que concentrou mais de 83% do contingente populacional, definindo o ritmo de crescimento demográfico regional. Entre os municípios de maior crescimento populacional, destacam-se Camaçari e Lauro de Freitas, que apresentaram taxas de 10,4% e 13,4% ao ano, respectivamente, entre 1970 e 1980.
Embora não tenha função industrial, o município de Lauro de Freitas passou a apresentar esta dinâmica como consequência do desenvolvimento desse processo. Pela sua proximidade, recebeu os empregados mais qualificados de um Centro Industrial e de um Complexo Petroquímico instalados nos municípios de Simões Filho e Camaçari, respectivamente, mas, sobretudo em face de sua localização na orla atlântica, com fácil acesso em relação aos demais municípios da RMS. Por outro lado, por ser limítrofe ao município de Salvador, ocorreu, em Lauro de Freitas, o que os especialistas classificam como transbordamento da metrópole.
Em um primeiro momento, ocorreu a periferização da população de baixa renda e, logo em seguida, são implantados os loteamentos e condomínios fechados, para o segmento de alta renda, ao longo da orla marítima.
Esse processo de desenvolvimento criou na região uma especialização dos espaços municipais, no qual cada subespaço exerce um papel complementar e é responsável por determinados fluxos econômicos, definidos pelas atividades industriais, e pelas atividades turísticas no litoral, consolidando o setor terciário em Salvador.
A implantação de parques industriais e a realização de importantes investimentos em redes viárias e sistemas de transportes ampliaram a escala territorial metropolitana. O crescimento urbano passou a apresentar significativas mudanças na direção Norte, iniciando a conurbação com o município vizinho de Lauro de Freitas. Naquele momento, a expansão ainda ocorreu, embora de forma dispersa, com pequenas concentrações nas sedes municipais e grandes vazios intersticiais.
Os efeitos do processo de globalização continuaram se intensificando, em escala mundial, e os seus efeitos e interações também se espraiaram na estrutura produtiva do Estado, assim como da sua metrópole. Entre os fatores mais relevantes estão: a reestruturação produtiva na indústria existente, o fortalecimento do agronegócio baiano, fazendo crescer as exportações pelos portos e pelo aeroporto da RMS. Aliaram-se a isso, ainda, novos vetores de crescimento, como a implantação de uma grande indústria automotiva e de uma fábrica de pneus, em Camaçari, reforçando o seu papel de município industrial.
2 Inserção global dA metrópole baiana
Com o fim do Modelo de Substituição de Importações, a abertura da economia brasileira, e após a implantação do Plano Real, em 1994, ampliou-se, consideravelmente, o processo de globalização, com as suas repercussões na economia brasileira e baiana.
A dinâmica e as transformações ocorridas na metrópole baiana e em sua região, a partir de então, criaram a base econômica que colocou a região no movimento de reestruturação da economia globalizada. Grande parte das indústrias instaladas na RMS, a partir desse período, está sob o controle de grupos com atuação mundial, o que, de certa forma, configura a internacionalização da sua economia.
Identificam-se, mais especificamente, três principais processos responsáveis por esse movimento: um de reestruturação produtiva na indústria existente, gerando de um lado o aumento da competitividade e, de outro, a presença do desemprego estrutural; outro de fortalecimento do agronegócio no interior do estado da Bahia, com impactos sobre a circulação de mercadorias pelos portos e aeroporto da metrópole, fortalecendo sua função de entreposto comercial regional e de polo econômico do Estado; e outro processo está relacionado aos novos vetores de crescimento, intensificados pelos investimentos estrangeiros, sobretudo nas atividades ligadas ao turismo, à instalação em 2002 do Projeto Amazon da Ford, e de seus sistemistas e fornecedores; à implantação de duas grandes fábricas de pneus; e à introdução de vôos internacionais diretos, a partir de Salvador. Esses movimentos corroboram com as evidências de uma maior articulação da região com o resto do mundo, como pode ser visto na Tabela1, aseguir.
Desde os primeiros anos deste século, o comércio externo baiano tem crescido num ritmo superior ao do brasileiro e até mesmo do Produto Interno Bruto (PIB) baiano, refletindo no aumento da sua importância na economia do Estado, e no crescimento da participação da corrente de comércio na Bahia na região Nordeste e no Brasil. A Bahia, do ponto de vista do comércio internacional de mercadorias, tem apresentado uma alavancagem maior que a média nacional nos últimos anos.
Entre 1998 e2008 acorrente do comércio baiana cresceu 354%, enquanto o PIB cresceu 104,5%. Este crescimento é ainda mais intenso no período entre os anos de 2003-2006. O coeficiente de abertura – a relação entre a corrente do comércio e o PIB – amplia-se de 10,2%, em 1996, para um pico de 23,4%, em 2006, recuando para 22,9% em 2008. O crescimento verificado é superior ao do Brasil e do Nordeste brasileiro.
Esses fluxos podem ser explicados pela integração e complementaridade da economia baiana em relação à economia brasileira, que, nos últimos anos, cresceu puxada pelo crescimento global. O expressivo aumento das exportações é, sem dúvida, uma das características marcantes da economia brasileira no período 2003 e 2006, e isso ocorre no contexto extraordinariamente favorável da economia mundial. A taxa média de crescimento do valor das exportações foi de 4,3%a.a, entre 1995 e1998, 4,5%a.a, entre 1999 e 2002 e 23% a.a no período que vai de 2003 a2006.
A metrópole baiana, nesse contexto, possui uma importante participação no comércio global. Em 2008, quatro municípios baianos estavam entre os 50 do país que mais exportaram durante o ano de 2008. Três desses municípios estão localizados na Região Metropolitana de Salvador (São Francisco do Conde, Camaçari e Dias D’Ávila).
Com a intensificação da globalização, que imprimiu uma reestruturação produtiva e abertura econômica, observa-se uma maior inserção da metrópole baiana, com suas empresas apoiadas numa visão de plataforma mundial, o que, em certa medida, insere Salvador em uma rede global de comércio. Este crescimento pode ser visto pelo avanço da participação dos portos da RMS no comércio exterior brasileiro: a participação dos portos da RMS no total das importações brasileira cresceu de 2,6%, em 1998, para 4,1%, em 1996, caindo para 3,0% em 2009. Em relação às exportações para os mesmos períodos foram de 2,4% em 1999, 4,0% em 2006, e 3,2% em 2009.
Apesar do crescimento da produção, baseado em uma plataforma de empresas globais, a Bahia e a sua metrópole, no que diz respeito ao escoamento da produção, vêm perdendo, nos últimos anos desta década, espaço para portos localizados em outros Estados do país, como os de Recife e Vitória, – capitais de outros estados brasileiros -, conforme Tabela2, aseguir.
Do total produzido pelo Estado no ano de 1997, 78,8% saíam pela Bahia; em 2009 este percentual cai para 67,1%. O mesmo fenômeno ocorreu na RMS que, no mesmo período, viu reduzida sua participação de 70,6%, em 1997, para 65,4%, em 2009. Isso, em parte, pode ser explicado pela falta de investimentos para a expansão da infraestrutura logística e portuária deste Estado.
3 Reestruturação produtiva e ascensão do setor de SERVIÇOS
O novo padrão de acumulação, baseado na flexibilização de processos, aprofundou e transformou a estrutura produtiva da economia baiana. A reorganização das atividades empresariais e a consequente terceirização de etapas de produção exigem que as cidades adaptem sua infraestrutura e seu meio socioprofissional, como condição para o desenvolvimento da base material.
Se anteriormente ao processo de industrialização regional a cidade de Salvador já se caracterizava pela predominância do setor terciário, após a década de 1970 essa tendência se acentuou. Os efeitos multiplicadores dos investimentos industriais, até a década de 1980, foram significativos, impulsionando, principalmente, o comércio e o sistema bancário e financeiro. Verificou-se, nesse período, o desenvolvimento de serviços voltados para o apoio às indústrias, como os de segurança, limpeza, alimentação, transporte, assistência médica, etc. No setor público, o aumento da arrecadação possibilitou a ampliação e modernização do aparato administrativo.
O modelo adotado, na Região Metropolitana de Salvador, apresenta elevada concentração de sua economia na produção de commodities petroquímicas. Em um contexto de abertura comercial e desregulamentação econômica, aspecto que marcou o panorama brasileiro no início da década de1990, a produção de bens intermediários mostrou-se vulnerável. Essa especialização impôs, ao setor petroquímico, ajustes para aumento de produtividade, que se efetivou por meio da automação e racionalização administrativa, com redução significativa dos postos de trabalho e terceirização de etapas produtivas.
Da mesma forma, no setor da metalurgia, de significativa participação no valor adicionado da transformação industrial baiana, que, juntamente com a petroquímica, representam mais de 60% da indústria de transformação do Estado, também passou por processos de ajustes, provocando redução de mais da metade dos postos de trabalho. Verificou-se uma redução de 40 mil para 21 mil empregos, entre meados das décadas de 1980 e de 1990.
A chegada de grandes firmas de origem nacional ou estrangeira, a modernização, a desnacionalização e a expansão de empresas locais, em vários setores, (supermercados, construção civil, telecomunicações, publicidade e outros) reforçaram e aprofundaram os vínculos com outras metrópoles. O desenvolvimento do turismo, nacional e internacional, consolidou Salvador, não apenas como polo receptivo, mas, também, como emissor, completando esse novo quadro.
Reforçou esse movimento, o surgimento de novas tecnologias, a renovação das formas organizacionais e modificação dos hábitos de consumo que se aliaram rumo à modernização do terciário, propiciando à cidade a atualização dos seus serviços, adaptando-os às exigências das classes médias e altas e, sobretudo, às do setor empresarial. Simultaneamente, pessoas que estavam à margem do mercado formal passaram a compor as franjas do setor terciário, inserindo-se no “segmento informal”, complementando o modelo em curso. Esse processo consolida a cidade de Salvador como um polo das funções terciárias, centralizando os fluxos regionais e dessa região com as demais regiões do Estado, criando externalidades para o atendimento ao setor empresarial.
A globalização e o acirramento da concorrência global imprimiram necessidade de mudanças, cada vez mais aceleradas; seja nos padrões de gestão ou no emprego de novos processos produtivos que evoluíram engendrados pelos avanços tecnológicos.
As empresas passaram a buscar, continuamente, os seus posicionamentos em patamares de liderança. Para tanto, elas se reestruturam, sistematicamente, implementando novos processos e novos arranjos organizacionais que possibilitem aumentos sistêmicos de produtividade e competitividade. Nesse sentido, um aspecto relevante nas mudanças que são operadas dentro das estratégias empresariais passou a ancorar-se na terceirização.
A terceirização tem como característica a subcontratação de empresas para executarem alguma atividade específica, designada pela empresa contratante. Trata-se de um processo de especialização ou focalização da atividade produtiva, com o propósito de redução absoluta e/ou relativa de custos, para obtenção de ganhos de escala e ampliação da competitividade empresarial. Tal processo ampliou o tamanho do setor de serviços, na medida em que as principais atividades terceirizadas são típicas do setor terciário, e nele classificadas. O setor se amplia, substantivamente, com o avanço tecnológico, e este induz a criação de serviços mais tecnicistas, que se associam às novas estratégias empresariais.
Com a implementação e o avanço para novos processos e, com esse cenário de ampliação do terciário, o desafio é se entender como a reestruturação produtiva, verificada mais intensamente na segunda metade dos anos 1990, do século XX, imposta pelo novo paradigma produtivo, tem alterado as características da atividade de serviços da Região Metropolitana de Salvador (RMS), no sentido do seu direcionamento para os chamados serviços avançados.
De acordo com a definição de Sassen (1999), os “serviços de comando” (serviços avançados ou terciários de ponta), necessários à nova economia globalizada, são aqueles de apoio às empresas, tais como serviços jurídicos, de consultoria, contabilidade e pesquisa e desenvolvimento, os serviços financeiros, de telecomunicações, apoio em informática, produção de softwares, turismo de negócios, serviços logísticos e de transporte, educação e saúde. Ou seja, são serviços intensivos em informação e conhecimento que dão suporte ao restante da estrutura produtiva de uma determinada região.
Para análise dos citados serviços, na RMS, serão utilizados os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS)[5], sob dois recortes temporais. Para os dados mais agregados, disponíveis na RAIS, a análise será realizada de 1996 (período inicial de intensificação da reestruturação produtiva no Brasil) a 2008 (informações mais recentes).
Desse modo, o trabalho de análise, com os dados mais desagregados, terá como foco, a investigação das possíveis alterações na estrutura produtiva da metrópole, e será dividido em dois períodos: de 1996 a 2005 e de 2006 a 2008[6].
Na economia da metrópole baiana há um predomínio do setor de serviços, tanto em número de estabelecimentos e pessoal, ocupação quanto na participação setorial no valor adicionado da economia. Para o primeiro recorte temporal, de1996 a2005, os registros da RAIS evidenciam que em 1996 os estabelecimentos produtivos, ligados às atividades de serviço, representavam 48,8% dos estabelecimentos existentes, os quais respondiam por 69,4% dos empregos formais da região. O setor, entre 1996 e 2008, avançou em relação a um acréscimo no número de empresas e na geração de empregos formais.
Entretanto, tal crescimento não foi capaz de manter a sua participação no mesmo patamar, tendo em vista que outros setores da economia cresceram muito mais. Como resultado, o setor de serviços reduziu a sua participação relativa no número total de estabelecimento e empregos para 46,8% e 67,7%, respectivamente.
De1996 a2008 não ocorreram mudanças estruturais significativas na base produtiva da metrópole baiana. O número de estabelecimentos formais, de todos os setores produtivos, apresentou crescimento, exceto nos de produção e distribuição de eletricidade, gás e água. A indústria de transformação perde um pouco sua participação no número total de estabelecimentos.
Houve um aumento de participação do número de empresas relacionadas às atividades de comércio, transporte e armazenagem, e um crescimento, bastante tímido, do número de empresas ligadas às atividades financeiras, o que reduziu a participação dessas no conjunto de estabelecimentos da região. O mesmo fenômeno foi observado nas empresas prestadoras de serviço de educação. As atividades de aluguéis, imobiliárias e de serviços prestados às empresas, embora tenham crescido 64,5%, ampliaram muito pouco o respectivo patamar de participação no número de estabelecimentos.
Observe-se a Tabela3, aseguir.
O indicador do mercado de trabalho também evidencia que a participação relativa do emprego na atividade industrial, sobretudo na indústria de transformação, permaneceu basicamente a mesma. O mesmo fenômeno é observado em relação aos serviços de educação e saúde. As atividades financeiras apresentaram uma pequena redução de participação no estoque total de empregos formais. Vale ressaltar que, sobretudo nas atividades financeiras, ocorreu um processo de desemprego estrutural devido à intensa informatização do sistema bancário (Tabela 4).
As atividades que aumentaram sua participação, tanto em termos de emprego quanto em número de empresas, foram aquelas que não estão diretamente relacionadas aos serviços avançados, típicos das “cidades-globais”. Segmentos, como, construção, atividades imobiliárias, alojamento e alimentação, comércio e serviços pessoais são aqueles com expressivos aumentos, tanto no incremento de novas empresas como no estoque de trabalho (Tabela 4 e Tabela 5).
No caso específico das atividades de construção e imobiliárias, o crescimento se deve ao boom verificado nesse mercado, a partir da segunda metade dos anos 2000.
Para o melhor entendimento da participação e do comportamento dos serviços avançados e mais aderentes às novas necessidades imprimidas pelo novo padrão produtivo, conforme definidos por Sassen (1999), faz-se necessária uma análise, ainda mais desagregada, dos dados.
No que se refere ao setor de transporte e logística, o número de estabelecimentos cresceu em torno de 76,5% entre 1996 e 2005. No entanto, a participação do emprego nestas atividades, quando comparado com no total de empregos formais da região, cresceu apenas 17%, evidenciando-se que essas atividades vêm se tornando cada vez mais intensivas, em capital. Mesmo com tal acréscimo a participação do seu número de estabelecimentos, na estrutura produtiva da metrópole, diminuiu de 0,81%, em 1996, para 0,75%, em 2005.
Quando se compara a atividade de transporte e logística da metrópole baiana com a mesma atividade na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), observa-se que o número de estabelecimentos atuando nesta área, na metrópole baiana, representa pouco mais que 10% do volume de empresas do mesmo segmento da RMSP (Tabela 1).
Atividades ligadas à área de informática estão intimamente relacionadas aos serviços modernos, que ganham espaço na estrutura produtiva das cidades globais, conceituada por Sassen (1999). Essas são atividades intensivas em tecnologia, e são fundamentais para o novo paradigma produtivo.
O segmento de atividades relacionadas à informática apresentou de1996 a2005, na RMS, um aumento de 41% no número de estabelecimentos. Uma característica desse setor, na metrópole baiana, relaciona-se com os seus respectivos focos, dirigidos às áreas de manutenção e de reparação de equipamentos de informática, processamento de dados e consultoria de hardware. Entretanto, a atividade que mais agrega valor neste ramo produtivo – consultoria e elaboração de software – representava, em 2005, 6,6% do total das empresas atuantes no segmento de informática.
Diferentemente do que ocorre na Região Metropolitana de Salvador (RMS), na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) as empresas que atuavam na área de consultoria em software representavam acerca de 15% do número total de estabelecimentos que atuam no respectivo setor. Ademias, o número de empresas atuando em consultoria de software na RMS não representava nem 5% do número de estabelecimentos da empresas que atuavam no mesmo ramo produtivo na RMSP.
Os empregos na área de informática cresceram, aproximadamente, 72%, de1996 a2005, passando de aproximadamente de 2900 postos de trabalho para 5000 postos de trabalho. Inobstante, a participação do emprego destas atividades no estoque de emprego da região, entre 1996 e 2005, manteve-se no mesmo patamar, algo em torno de 0,5% dos empregos formais da região, índice ainda pouco significativo.
Em 2008, havia, na RMS, 570 empresas atuando na área de informática[7], as quais absorviam aproximadamente 7.300 empregados. Esses números são pouco significativos quando comparados com o conjunto de estabelecimentos produtivos e com o estoque de emprego da região. Quando são comparados com os dados da RMSP também nota-se que este segmento ainda é muito tímido na metrópole baiana (Tabela 5).
Entretanto, chama a atenção, em 2008, que, na RMSP, apenas 18% da empresas atuavam na área de reparação e manutenção de equipamentos de informática e comunicação, área que exige menos capacitação e conhecimento e agrega menos valor.
Já na RMS, 47% atuavam na referida área, enquanto 12,6% da empresas tinham como foco as atividades de tratamento de dados, hospedagem na internet e outras atividades relacionadas. Nessa mesma leitura observou-se que 40,4% das empresas atuavam em serviços de Tecnologia da Informação (TI).
Segundo Bastos e Lima Júnior (2007), e Fialho (2006), o setor de TI baiano, concentrado na RMS, apresenta alguns gargalos como; empresas, com pouca representatividade, com limitada competência gerencial e estratégica, focadas em demandas locais e sem explorar nichos estratégicos de mercado.
Outros serviços, indicados com típicos do terciário avançado, tais como os prestados às empresas[8], apresentavam pequena participação no montante de estabelecimentos da RMS, algo em torno de 4,4%, e correspondiam a, somente, 12% do número de estabelecimentos que atuavam no mesmo segmento na RMSP, em 2008. A participação desse mesmo setor, atuante na RMS, se reduziu, quando comparado com o ano de 1996, visto que o número de estabelecimentos ligados a tais atividades representava aproximadamente 8% do total de empresas da região.
No que se refere ao mercado de trabalho, tais serviços empregavam 5% dos trabalhadores da região, no ano de 2008, percentual menor do que o que era observado em 1996, quando eles ocupavam 8% desses mesmos trabalhadores. Ou seja, houve uma redução do peso dessas atividades na estrutura produtiva da RMS.
Embora não seja possível, com base nos dados da RAIS, infere sobre as características desses serviços, sabe-se, de acordo com o conhecimento tácito sobre a estrutura produtiva e das características das atividades empresariais da região, que eles são prestados por um número pequeno de empresas que atuam no segmento de serviços avançados, em escala nacional, sendo menor, ainda, o número daquelas cuja plataforma de atuação é mundial.
O número de estabelecimentos relacionado às atividades de educação também diminuiu de participação no montante total de estabelecimentos produtivos da RMS, entre 1996 e 2008, apesar da sua participação no mercado de trabalho – número de ocupações – ter se mantido constante. Destaca-se o aumento no número de estabelecimentos de ensino superior, ampliando-se de 13 unidades, em 1996, para 77, em 2008. A queda observada em seu conjunto foi motivada pela reforma do sistema de ensino superior do país, que provocou uma diminuição de 82% no número de estabelecimentos de educação profissional e técnico, entre 1996 e 2008.
Os serviços de atenção à saúde humana apresentaram, entre 1996 e 2008, crescimento da ordem de 50% no número de estabelecimentos e 57% no número de empregos. Por outro lado, a participação deste segmento se manteve em 6%, em relação ao número de estabelecimentos e de 4% no montante dos empregos da RMS.
Ganha participação na estrutura produtiva da RMS, tanto em termos de número de estabelecimentos quanto em termos de ocupação, as atividades de comércio, construção, atividades imobiliárias, alojamento e alimentação e serviços pessoais e domésticos. Estes serviços são menos aderentes às necessidades imposta pelo novo padrão produtivo.
Assim, com base no conjunto de dados, até então analisados, percebe-se que, em termos absolutos, tanto o número de estabelecimentos quanto o de trabalhadores do chamado terciário avançado[9] tenha crescido, entre 1996 e 2008, exceto nas atividades financeiras; não é possível afirmar que haja uma tendência de orientação da estrutura produtiva da RMS na direção dos chamados serviços avançados.
4 Reconfiguração espacial
Desde 1996, e mais intensamente a partir de 2003, observa-se um período de crescimento econômico que pode ser expresso pelo aumento no número de empresas formais e de formalização do trabalho, tanto na Macrorregião de Salvador – Feira de Santana, quanto na metrópole baiana.
De forma simultânea o mercado imobiliário voltou a crescer de modo acelerado, a partir da segunda metade dos anos 2000, após uma estagnação de quase duas décadas. Embora não tenham ocorrido mudanças significativas na composição da estrutura produtiva da metrópole, no sentido de consolidação do chamado terciário avançado, podem ser identificadas alterações na configuração espacial regional.
Embora o crescimento populacional de Salvador ocorra em taxas menores que nas décadas anteriores, o aumento da população, em termos absolutos, ainda é de grande impacto, tendo superando os 2,5 milhões em 2000, que se somam aos mais de 600 mil residentes em outros municípios da Região Metropolitana, atingindo o patamar de pouco mais de 3,0 milhões de habitantes.
Estima-se que em2007 apopulação dessa região atingiu 3,7 milhões de habitantes; e que desse total, 80% residem na metrópole, formando – em termos demográficos – um dos seis mais importantes mercados regionais do país.
Como em outras regiões metropolitanas brasileiras, a população tem crescido em taxas mais elevadas nas áreas periféricas do que nas zonas centrais. O município de Salvador, que constitui a área mais densamente ocupada, cresce menos que os municípios vizinhos.
A partir de2000, ainstalação do complexo automotivo Ford, no município de Camaçari, trouxe para a região um novo estímulo econômico e social. Produtora de bens finais, a montadora, agrega entorno de sua unidade, uma série de outras empresas industriais e de serviços, promovendo incremento no emprego e renda local.
Cerca de 90% dos empregados dessas empresas moram próximo ao complexo Ford, nos municípios de Camaçari e Dias D’Ávila, o que diferentemente do período anterior, quando os empregos eram criados em um município e as residências e o consumo ocorriam no município de Salvador, provoca melhorias para as classes de renda média e média baixa destes municípios.
Os outros 10%, referentes aos trabalhadores mais qualificados, são, na sua maioria, originários de outras localidades, muitos deles, de outros estados, buscam residência na orla de Camaçari e Lauro de Freitas, incrementando os núcleos urbanos na orla atlântica, o que reforça o crescimento do vetor norte.
Empreendimentos ligados ao setor turístico, utilizando o potencial natural da área, associam-se a esta fase de ocupação e de desenvolvimento da orla Atlântica, no vetor norte da RMS. Trata-se de grandes empreendimentos hoteleiros, de redes internacionais, para os segmentos de renda alta e média alta.
Desde a segunda metade da década de 1990, vários empreendimentos privados, para o setor turístico, resorts e complexos hoteleiros, com parques e grandes áreas de lazer têm sido implantado ao longo da faixa marítima, dos municípios vizinhos de Salvador, ampliando os fluxos e as alternativas de uso e de ocupação neste vetor.
Impulsionando a expansão da ocupação regional, foram implantadas melhorias viárias ao longo do Litoral Norte na década de 1990, dando continuidade aos investimentos da década de 1970, e promovendo as condições de desenvolvimento para a orla marítima de Lauro de Freitas, Camaçari e Mata de São João, definindo o vetor de crescimento e a expansão residencial e turística. Essa ocupação, então, se caracteriza por uma associação do processo de expansão ocorrida na fase anterior, com um adensamento dos núcleos locais, promovendo a expansão territorial e concentrações pontuais.
Simultaneamente, verifica-se no litoral Norte da RMS, em áreas dos municípios de Salvador, Lauro de Freitas e Camaçari o lançamento de condomínios fechados, em grandes glebas, distantes das áreas mais adensadas, na periferia próxima a Salvador, porém na faixa mais próxima ao mar, onde o valor da terra, no primeiro momento menor que nas áreas já valorizadas da metrópole, viabiliza o acesso a imóveis de melhor qualidade urbana.
A estrutura prevista, então, para esses empreendimentos contempla lotes amplos, casas, espaços reservados para práticas esportivas e áreas verdes, configurando alternativa para os segmentos sociais de renda média e média alta.
Após muitos anos investindo na construção de imóveis de alto padrão, para os segmentos de renda alta e média alta, o setor imobiliário baiano, constrói maciçamente para os segmentos de renda média, famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos.
Em entrevista, a jornal local, representante do segmento imobiliário, atribuiu o dinamismo do setor à ampliação da renda e a ascensão de uma parcela da população que antes não tinha remuneração suficiente para fazer frente aos financiamentos habitacionais. Alguns fatores são apontados como motivadores do chamado boom imobiliário, que também acontece, neste momento, em outras metrópoles brasileiras, quais sejam: a retomada do crescimento da economia brasileira; a ampliação da renda e do emprego; a redução das taxas de juros e das facilidades de financiamento no âmbito do sistema habitacional, possibilitando parcelas menores em um prazo maior de pagamento.
Esse setor que entre 2000 e 2005 era responsável por uma média de lançamentos, anuais, de imóveis – entre 2.500 e 3.000 – unidades, em 2008 passou a ser responsável por um incremento anual de 77,8% em 2007, e 81,9%, atingindo 14.000 novas unidades, lançadas nesse mesmo ano.
Ainda, conforme dados divulgados pela Associação dos Empresários do Mercado Imobiliário na Bahia, em 2009 foram comercializados na Bahia 10.000 imóveis; número um pouco inferior a 2008, quando foram vendidos cerca de 13.000 imóveis,; 90% desses em Salvador.
Do total de unidades comercializadas, 60% são habitações de dois ou três quartos e 40% com apenas dois quartos. Esse dado demonstra que boa parte do dinamismo do setor vem da ampliação da renda e da ascensão de uma parcela da população que antes não tinha remuneração suficiente para fazer frente aos financiamentos habitacionais.
A análise espacial e por tipologia dos empreendimentos lançados pelo setor imobiliário demonstra que o crescimento recente em Salvador tem sido por adensamento e verticalização das construções, que ocorre em quase todo o município, mas, com maior intensidade, na orla atlântica e ao longo do eixo viário identificado como Avenida Paralela, que faz a ligação com o município litorâneo de Lauro de Freitas.
Quando se analisa o total dos lançamentos em Salvador, entre 2000 e 2009, observa-se que a faixa da orla marítima, que concentra as famílias com renda mais elevada, é responsável pelo maior volume de construções residenciais, comerciais e institucionais da cidade formal.
O movimento de descentralização das atividades comerciais se mantém, assim como o processo de expansão metropolitana (comércio, serviços e habitações), na direção da conurbação com os municípios de Lauro de Freitas, notadamente na faixa litorânea. Uma grande tendência identificada, nesse período é a difusão shopping-centers pelo espaço metropolitano, seguindo o vetor norte litorâneo, o que pode constituir indicador da consolidação deste vetor e um estímulo a novos empreendimentos habitacionais.
Verifica-se, também, nos últimos anos, a tendência de expansão de habitações para as faixas de renda média, utilizando-se de pequenos condomínios fechados e villages, em bairros próximos ao limite de Salvador, e no município vizinho de Lauro de Freitas, alcançou estabilidade e diminuiu o seu crescimento. A oferta que até 2005 se caracterizou pela predominância de unidades unidomiciliares, nas áreas periféricas, deu lugar a edifícios de apartamento para a classe média, passando a ocorrer o predomínio absoluto do padrão multidomiciliar vertical; seja adensando as áreas já ocupadas, seja ocupando o eixo entre Salvador e o município vizinho sob a forma de grandes condomínios verticais. A população com menor renda, também se expandiu em direção ao norte da cidade de Salvador, porém por áreas internas, até encontrar os municípios de Simões Filho e Lauro de Freitas. Tal crescimento também ocorreu nos municípios de Itaparica e Vera Cruz, na Ilha de Itaparica, determinando um fluxo diário casa-trabalho entre os municípios daquela região.
Nessa região, como em outras metrópoles, coexistem espaços bem equipados, num universo de pobreza e precariedade. Para aqueles que não tiveram acesso ao emprego formal e à renda necessária para o acesso ao mercado imobiliário a solução foi a da ocupação de áreas periféricas ou vazios urbanos, geralmente em condições de carência e riscos ambientais.
A complexidade regional é cada vez maior e as articulações e dependências entre os municípios se diversificam. Essa transformação tem sido motivada, por um lado, pela a implantação de rede de empresas que procuram organizar e melhorar a sua acessibilidade a diferentes partes do mercado metropolitano, e pelos diversos serviços pessoais, tais como a saúde, educação e comércio, que tendem a acompanhar os movimentos das famílias, especialmente as de renda média alta e alta.
Complementado este quadro, novos empreendimentos, direcionados ao setor empresarial, têm buscado novas localizações, e novos formatos. Configurando um conjunto de torres empresariais, formatado como rede de negócios, está sendo lançado o denominado complexo Hangar, localizado próximo à primeira rótula do aeroporto, com 9 torres – sendo 2 hotéis e 7 torres empresariais – com 1575 salas. Esse complexo explora a acessibilidade do eixo viário, denominado Paralela, que atravessa o município de Salvador em direção ao município de Lauro de Freitas, localizando no contra – fluxo do tráfego urbano diário, o que tende a formar um novo centro de comércio e serviço, reforçado por um terminal metropolitano entre esses municípios
Da mesma forma, os empreendimentos residenciais, tomam a forma de grandes condomínios verticais, identificados como condomínios-clube, por associarem às torres residências grande diversidade de área e de espaços abertos e de itens de lazer, sempre associando o morar, à redução dos deslocamentos, segurança e qualidade de vida, que se viabilizam pela verticalização e alta concentração das edificações.
Esses grandes condomínios constituem novos espaços, implantados sob a regência de um único empreendimento imobiliário; alguns desses com a escala de novos bairros planejados, ou até de pequenos núcleos urbanos, como ocorre com recente empreendimento lançado, localizado entre os principais eixos viários de Salvador, vizinho ao centro urbano que se desenvolveu na partir da década de 1970, proposto com 19 torres e um total aproximado de 3.000 unidades residenciais, o que equivale a cerca de 12.000 habitantes, gerando os diversos tipos de demandas sociais, pois se acercam apenas de estruturas de lazer e shopping centers.
Analisando-se outro indicador da tendência de configuração da região metropolitana, foram identificados novos investimentos públicos e privados projetados e em implantação. Entre os grandes investimentos tem-se um conjunto de projetos e lançamentos, relacionados com o setor turístico, de cunho cultural e ambiental, nos limites da cidade antiga, explorando sua relação com o mar, direcionando-se para a baía de Todos os Santos, que de alguma forma tem atraído para esta área empreendimentos habitacionais para o segmento de alta renda.
Assim, mais uma vez a perspectiva de investimentos viários define vetor no sentido da ilha de Itaparica e da região histórica do Recôncavo, a partir da proposta de uma ponte entre o continente e a ilha.
Acresce que o município de Salvador será uma das 12 sedes brasileiras a abrigar jogos da Copa do Mundo, que se realizará no Brasil em 2014. Para este evento, estão previstos diversos investimentos com o objetivo de modernizar a cidade e melhorar a mobilidade urbana. Neste ambiente de novos investimentos estão propostos projetos que incluem a abertura de novas vias de tráfego, implantação de sistemas modernos de transporte, revitalização da orla, da cidade baixa, construção de novos equipamentos de cultura, de lazer, de esporte e requalificação e ampliação da estrutura turística.
Estes projetos mais detalhados e concentrados na direção do vetor norte, porém agora propondo novas vias internas e paralelas a orla marítima, onde se encontram uma faixa de terrenos vazios e grande quantidade de unidades habitacionais em construção, mais uma vez sinalizam na harmonia entre os investimentos públicos e privados.
Se por um lado, o desenvolvimento da competitividade das áreas metropolitanas é percebido como uma alavanca para a integração dos países na economia mundial, por outro, esses territórios concentram problemas ambientais e sociais, que se expressam através das altas taxas de desemprego, déficit habitacional, trânsito e mobilidade, pressão sobre os recursos naturais, diversos serviços públicos, dentre outros.
A complexidade e a densificação das relações em torno das metrópoles tornam cada vez mais necessária a articulação e gestão consociada dos municípios envolvidos, apoiada no planejamento de médio e longo prazo. Apesar da necessidade de atuação conjunta, o modelo administrativo municipal se impõe, sem a necessária reflexão regional, gerando soluções parciais em um sistema fragmentado.
Considerações finais
Salvador sempre foi e continua sendo um centro que abriga uma economia pautada em uma plataforma de negócios voltada para o mercado internacional. Sua fundação, em 1542, tinha como objetivo instalar no Brasil um centro de comando administrativo e político da América portuguesa. Além disso, ao longo de três séculos, abrigou ao seu redor uma das mais prósperas e pujantes economias do país e do mundo.
Pode-se afirmar que houve um aumento do nível de globalização da economia baiana e da RMS, visto pelo fluxo de mercadorias. Entre 2002 e2008, aBahia, pelo “olhar” do comércio com o resto do mundo, cresce mais que o Nordeste e o Brasil.
A intensificação de diversos processos no âmbito da sua socioeconomia e, após a implementação do Plano de Estabilização Econômica (Plano Real), tornaram-se relevantes o fortalecimento e a inserção da metrópole na rede global. Esse fenômeno avançou com o fortalecimento das empresas globais aqui instaladas, a partir de uma reestruturação produtiva, e se ampliou com a vinda de investimentos em novos setores econômicos, notadamente em bens finais duráveis.
Entretanto, apesar do aumento do número de empresas e de empregos gerados nos setores de serviços mais avançados, entre o período de 1996 e 2008, não é possível afirmar, em termos relativos, com base nos dados analisados, que haja uma tendência clara de direcionamento das atividades produtivas da metrópole para tais serviços. Ademais, a região não se destaca como um polo de serviços nacionais avançados; seja na área de informática, consultoria empresarial, logística, atividades de ensino, saúde e financeira. Sua influência, em sua maioria, é tipicamente regional, suprindo as necessidades “domésticas” e da indústria situada em seu entorno.
O aumento dos investimentos privados e a instalação de novas empresas na região se associaram ao crescimento absoluto de empresas do setor de serviços, que, juntamente, passaram a exigir espaços modernos, com infraestrutura adequada, tanto de comunicação quanto urbana, para efetivação de sua instalação.
A expansão das atividades de turismo e o crescimento da oferta de serviços pessoais consolidaram um movimento de conurbação da região e de consolidação do movimento de direcionamento da metrópole para o vetor Norte, tendo uma nova centralidade econômica e financeira, onde se concentram os escritórios das grandes empresas e os serviços mais modernos, e aqueles serviços pessoais com maior capacidade de agregar valor. Por outro lado, intensifica-se o processo de policentralização e periurbanização.
Pode-se, portanto, constatar que a conjunção de crescimento econômico, abertura comercial reestruturação produtiva e ampliação da concorrência em escala nacional e global provocaram diversas repercussões na morfologia da metrópole baiana.
Referências
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[9] Serviços prestados às empresas, atividades de logística, informática, saúde e ensino.