Em época de eleição, cidadãos esclarecidos e formadores de opinião, conscientes do seu papel social, devem disponibilizar para a sociedade seus pontos de vista e sua experiência para, em prol do bem comum, contribuírem para enriquecer o debate político e mudar os rumos das políticas sociais adotadas nos últimos tempos. Um bom exemplo é sugerir a retomada de iniciativas de alto alcance social como a dos Centros Sociais.
A ideia aqui denominada de Centros de Cultura e Cidadania não é totalmente inovadora, porque a ideia original surgiu na década de cinquenta, aqui na Bahia, por iniciativa do grande educador baiano, nascido no município de Caetité, Professor Anísio Teixeira (1900-1971), quando se implantou um dos mais avançados projetos educacionais do Brasil, a Escola Parque, em um bairro pobre da capital, a Caixa D’Agua, que mais tarde foi denominado de Centro Educacional Carneiro Ribeiro. O projeto do Professor Anísio Teixeira transformou o modelo da escola tradicional em um novo modelo de “aluno parceiro do professor”, como explicou a Professora Ivonete Amorim, Coordenadora da Escola, em uma publicação da revista Mais em 25/04/2010, texto de Diego Damasceno.
Em seguida, na década de setenta, no Governo do Eminente Professor Roberto Santos, foram implantados os Centros Sociais Urbanos, voltados especificamente para as famílias dos bairros periféricos, carentes de serviços públicos essenciais. Esses Centros, geridos pela Secretaria do Trabalho na gestão da saudosa Secretária Professora Ivete Oliveira, não tinham exatamente os mesmos objetivos da Escola Parque mas, reuniam princípios comuns quanto aos aspectos educacionais.
Os Centros de Cultura e Cidadania representam um espaço comunitário que sugere conjugar as duas ideias e pressupõem que os residentes organizados em Associações usem suas instalações para discutirem problemas de interesses comuns e, ao mesmo tempo, possam disponibilizar de serviços públicos prioritários como esportes, lazer, educação e outros serviços demandados pela comunidade e que não são sensíveis à máquina governamental. Aí reside a essência da questão. Os políticos não têm demonstrado entender que o fundamental nem sempre é aquilo que eles julgam ser e subestimam a capacidade de a comunidade identificar o que efetivamente eles precisam.
Sem a pretensão de interpretar os desejos das comunidades, mesmo porque eles são sociologicamente distintos entre os diversos bairros das cidades, o bem senso e a experiência profissional de longos anos na área de planejamento urbano nos ensinam que iniciativas como os Centros de Cultura e Cidadania aproximam governo e comunidade, minimizando a carência dos serviços que as comunidades jamais viram comtemplados. Essa aproximação é importante porque as comunidades menos privilegiadas sabem exatamente o que querem, apenas não sabem dizer.
Portanto, os Centros de Cultura e Cidadania reúnem, além desses propósitos, a ideia da educação em tempo integral, caminho inexorável para a resolução de uma série de problemas da infância e da juventude, particularmente nos bairros periféricos, envolvidos mais intensamente com a ausência de emprego e renda das famílias. Trata-se de uma verdadeira mobilização pela educação e pela cidadania que acrescenta ao princípio “o lugar de criança é na escola” um outro de igual amplitude: “formar cidadãos é oportunizar os jovens utilizarem sua vocação e criatividade para o bem comum”.
Nesse contexto, há de se encontrar para a vocação dos jovens, uma inserção social consciente com o seu futuro e o futuro da comunidade em que vivem e, ao mesmo tempo, acreditarem que mudar é possível. Busca-se, portanto, o surgimento de uma economia cultural inovadora de futuros artistas, músicos, cabelereiros, costureiras, confeiteiras, digitadores, gourmets, garçons, faxineiras, eletricistas, bombeiros hidráulicos, pedreiros, pintores, mecânicos, entre outros a serem identificados na própria comunidade.
A grande inovação, portanto, consiste na conjugação de forças com a integração dos jovens, seus familiares, seus professores e a escola, buscando recuperar consciência de cidadania integrada, relegada a segundo plano, atualmente pela educação fundamental, para a maioria das famílias de bairros periféricos. A prevenção de doenças, os princípios de higiene pessoal, a inclusão de pessoas portadoras de necessidades especiais, a gravidez precoce, o uso de drogas e o acesso ao conhecimento de tecnologias que promovam capacitação profissional e oportunidades de negócios, aqui serão pontos de referência, sem deixar de lado as manifestações cívicas como elo entre cultura e sociedade. Reforço escolar, assistência pedagógica, psicológica e social, poderão compor o elenco de serviços, além da democratização do acesso aos recursos da informática, os serviços de internet gratuita em “banda larga” para, através da informação, desenvolver habilidades e conhecimento do mundo real, ainda distante da periferia das cidades.
É claro que não há a pretensão de se exaurir o assunto em poucas linhas. Trata-se, entretanto, de provocar algumas reflexões sobre um fato fundamental: “O mundo é do tamanho do conhecimento que nós temos”. Não se resolve as desordens urbanas como: estacionamento de veículos sobre passeios; desrespeito à faixa de pedestres, à faixa preferencial de ônibus, aos estacionamentos privativos de idosos e de pessoas portadoras de necessidades especiais, do lixo nas ruas em locais impróprios, dos altos decibéis de som em veículo, da violência no trânsito, das drogas, do alcoolismo, dos furtos, dos assaltos, entre outros, sem o cultivo ao espírito de cidadania
O efeito multiplicador do sistema presume-se fantástico. A dicotomia espacial urbana poderá ser rompida progressivamente entre os bairros periféricos e os de médio e alto poder aquisitivo. O conceito de cidadania cumprirá o seu papel precípuo de elemento aglutinador solidário. O que separa a periferia dos bairros centrais das cidades não é apenas o poder aquisitivo ou a configuração do espaço geográfico, mas a forma como enxergam a vida e o mundo. Por essa razão a noção de que todo cidadão possui direitos e deveres para com a sociedade em que vive prevalece também para os governantes da cidade. A maior das virtudes do homem público é ser consciente de que o trabalho a ser desenvolvido pelo poder público tem duas vertentes fundamentais: 1) Os novos investimentos físicos sem negligenciar a manutenção e a ordenação da cidade para atender a sua dinâmica de crescimento; 2) O bem-estar coletivo com exercício plena da cidadania, com democracia e ordem pública.
*Nei Jorge Correia Cardim é Economista, professor da UCSAL, Conselheiro Titular do Conselho Federal de Economia e especialista em Economia Urbana