A amostra mais usada como medida de desempenho de todo um mandato é o período dos 100 primeiros dias, quando o poder e a capacidade de mudanças estão no seu ponto máximo. O relógio do novo mandato presidencial começou a andar a partir do dia da reeleição com o anúncio de diálogo e mudanças. Foi bem recebido e reforçado com um ajuste na política monetária, necessário e atrasado. Todavia, foi só. O tempo passa e conspira contra; com mais do mesmo, não teremos um bom resultado.
O cenário externo é neutro para o Brasil. Na média, o crescimento mundial está em uma tênue trajetória ascendente, com os Estados Unidos acelerando o crescimento, a China crescendo num patamar mais baixo e a Europa com uma recuperação mais lenta do que a projetada anteriormente.
As projeções são de preços de commodities estáveis com um viés de queda e de taxas de juros mais altas, mas ainda num nível abaixo da média histórica.
Estados Unidos, China e Europa respondem por metade do PIB mundial e são o destino de metade das exportações brasileiras. É razoável projetar um crescimento da quantidade exportada para esses destinos, com preços com viés de baixa, todavia, inferior aos ganhos em volume. Portanto, com um impacto líquido positivo para o Brasil.
Um senão é a Argentina. É o maior destino individual das exportações industriais brasileiras e tudo indica que está passando por uma crise que ainda vai piorar. É uma questão de tempo ou de mudanças, algo que a presidente de lá não costuma praticar. Portanto, é desalentador para o Brasil.
Há dois riscos latentes no cenário externo: a) um ajuste brusco nos mercados bursáteis, mas sem grandes impactos além dos financeiros; e b) problemas geopolíticos inesperados, originários de locais como a Coreia do Norte, o Oriente Médio e a Europa do Leste, mas são remotos.
Em síntese, o mundo entra numa trajetória de crescimento sólido e riscos baixos, favorável a um Brasil com ambições de crescer, mas que atrapalha se o País continuar com mais do mesmo.
Há praticamente consenso de que 2015 será um ano de ajustes na economia brasileira e as projeções do Focus são de crescimento do PIB de 1%, com aumento gradativo de até 3% no final da década.
É um desempenho fraco, quando comparado ao resto do mundo, mas que pode surpreender positivamente nos próximos anos. O motivo é que a quase totalidade das projeções considera o custo dos ajustes, e não dá o peso devido aos benefícios – leia-se mais investimentos.
É razoável projetar valores de crescimento do PIB de 2% em 2015, e de até 4% em 2020, se forem feitas as correções na política macroeconômica. Todavia, se a continuidade da atual política prevalecer, também é razoável prever que o Brasil caminhará para uma estagflação, com o produto bruto estagnado, a inflação alta e as taxas de juros primárias com dois dígitos.
Ilustrando o ponto, em 1999, um ano de ajustes fiscal, monetário e cambial, as estimativas eram de uma queda de 4,0% do PIB em março daquele ano. Entretanto, o Brasil mostrou crescimento de 0,3% do PIB. Em nove meses, as projeções foram elevadas em 4,3%; o que aparentava ser uma grave crise, tornou-se um crescimento moderado.
Por outro lado, a demora em fazer as adequações na política econômica e o uso de atalhos inconsistentes causaram a “década perdida” ao Brasil.
A intensidade de uma recuperação depende da qualidade dos ajustes e das reações do setor privado, que, por sua vez, depende da correção de rota.
Até agora, nestes primeiros dias do novo mandato, foi “uma no cravo e outra na ferradura”. Por um lado, o aumento da Selic, na primeira semana de governo, apontou para um comprometimento maior com o controle da inflação. Por outro, a ata da reunião não foi incisiva o suficiente. O resultado foi neutro, com viés negativo.
A correção dos preços dos combustíveis é um exemplo de uma medida certa, mas com a intensidade errada. Como a defasagem é consideravelmente maior que o reajuste concedido, isso alimenta as expectativas de reajustes maiores, o que se propaga a todos os demais preços. Faltou contundência.
Para o controle da alta de preços, a terapia é: ajuste instantâneo das defasagens das tarifas de transporte e energia, elevação dos juros e comprometimento com o regime de metas. Esta meta deveria ser fixada em 5,5% para 2015 e ser reduzida monotonicamente até 2,5% em 2018, com estreitamento da banda.
A percepção da necessidade de correção das tarifas e a percepção da leniência com a meta alimentam expectativas inflacionárias. Isto torna o ajuste demasiadamente longo com um custo social alto. Um choque tem impacto inicial forte, entretanto, possibilita mais rapidamente taxas de inflação e de juros mais baixas do que com o tratamento gradual.
Todas as atenções estão para quem será o próximo ministro da economia. A demora na sua nomeação está consumindo tempo. A política a ser adotada é mais importante do que o nome a ser indicado. Os desafios na macroeconomia são grandes, mas todos superáveis. Ajustes adequados podem fazer muita diferença.
A maior preocupação é com a gestão do endividamento do governo. A dívida bruta está ultrapassando a marca dos 60% do PIB, colocando a economia numa dinâmica de juros mais altos, menos crescimento e mais impostos, que deve ser revertida rapidamente.
O País apresentou déficit primário nas contas de setembro, e isto é preocupante. A correção é trabalhosa e demanda ações tanto do lado da receita − para aumentar a arrecadação − como do lado da despesa, cortando gastos. É razoável antecipar que as escolhas recairão em cortes de subsídios e desonerações e reprogramação de investimentos.
Há também alguns ganhos a serem auferidos na composição do endividamento do setor público, trocando dívida interna por externa, mesmo com a alta dos juros internacionais. Já foram dados passos nessa direção.
As contas externas estão apresentando déficits crescentes. Embora não preocupem ainda, urgem mudanças para aumentar a competitividade das empresas brasileiras.
A gestão da política cambial é a mais complexa de todas: o estoque de swaps cambiais é da ordem de $ 100 bilhões; há descasamento entre ativos externos líquidos e passivos externos líquidos da ordem de US$ 200 bilhões; o câmbio está defasado e a percepção de risco Brasil está em alta.
Um desmonte gradual do hedge cambial do governo combinado com uma suave desvalorização da moeda nacional deve ser a rota escolhida. A cotação do dólar deve atingir R$ 2,60 ao final de 2015 e R$ 3,20 em dezembro de 2020.
É pouco provável que reformas importantes sejam feitas no próximo lustro; entretanto, pode-se esperar aprimoramentos na tributação, na legislação trabalhista, na regulação cambial e no código processual, contribuindo para melhorias na competitividade do País.
Um risco macroeconômico a ser considerando está na taxa de câmbio. Embora seja pouco provável, é possível que haja uma desvalorização maior do que a projetada e uma volatilidade exacerbada das cotações de divisas em razão da estrutura do mercado de câmbio e da dinâmica do equilíbrio externo.
Resumindo: o Brasil vai surpreender, seja de forma positiva, com projeções de crescimento maior, seja − algo abominado por todos, mas possível − entrando numa estagflação. Tudo depende da eliminação do déficit mais perigoso de todos: o déficit da ambição.