A questão tributária é muito mal discutida no Brasil, prevalecendo os mais deformados opinativos. Às vezes, são feitos comparativos entre a atual carga tributária, da ordem de 36% do Produto Interno Bruto (PIB), com o que ocorria no século 18, quando da Inconfidência Mineira. Na época, havia a incidência de um quinto, ou 20%, sobre a produção nacional, em especial sobre o ouro, sendo o produto da arrecadação tributária destinado a residentes no exterior, a Coroa portuguesa.
Noutros momentos, as avaliações são feitas com base em comparações entre a arrecadação e a quantidade de dias trabalhados, calculados linearmente. Nessa base, se a carga tributária é de 35% do PIB, então cada indivíduo trabalha 127 dias (35% de 365) para o pagamento dos seus tributos.
As comparações resultam inconsistentes, porque se denota muito mais uma estratégia para cooptação da classe trabalhadora para o movimento de rejeição social ao papel que todo Estado tem de arrecadador de tributos. Também são imprecisas, porque os que vivem do trabalho aplicam muito mais tempo do que aqueles 127 dias do seu labor no pagamento de tributos, quando comparado com os mais privilegiados, que muito menos fazem para o mesmo fim.
O fato é que o modelo tributário brasileiro é marcado por evidente regressividade, na medida em que tributa mais intensamente os mais pobres em detrimento dos mais ricos. Essa constatação parece inconsistente, considerando a clara intenção do legislador constitucional de oferecer à sociedade um modelo tributário mais justo, conforme o § 1º do art. 145 da Constituição Federal: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.
Além do § 1º do art. 145, outro “enfeite” foi incluído no texto constitucional, o inciso VII do art. 153, que trata do imposto sobre grandes fortunas, com remotas chances de um dia vir a ter eficácia econômica.
Na prática, toda avaliação realizada por não iniciados no campo da tributação está focada na carga tributária que integra os produtos — qualquer produto, mesmo os de insignificante essencialidade. A incidência tributária sobre os produtos resulta numa prática marcadamente injusta, na medida em que atinge, indistintamente, todos os indivíduos, sem a necessária identificação das classes sociais a que pertencem. No Brasil é assim; sempre foi.
A arrecadação em 1995 era composta de 51,5% de tributos sobre produtos; 20% de tributos sobre a renda, a propriedade e o capital; e 28,5% de contribuições previdenciárias. Em 2008, era, na mesma sequência, 46,6%, 25,8% e 27,6%. Vale a comparação com o que ocorre em termos médios nos países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), dados de 2005, na mesma sequência: 31,9%, 40,5% e 26,4% (Cláudio Hamilton dos Santos, in Um panorama das finanças públicas brasileiras 1995/2009, Brasília: Ipea, 2010, p. 39).
Bem manejados, os mecanismos tributários são valiosos instrumentos de gestão econômica, com desdobramentos sociais. Nesse contexto, é essencial considerar que os mais bem aquinhoados o são por força de práticas sociais que possibilitam as mais vultosas acumulações de riquezas, o que significa afirmar que a própria sociedade favorece uns poucos em detrimento de muitos. Em vista disso, é natural que os mais bem-sucedidos se disponham a devolver à sociedade parte da acumulação econômica sob a forma de tributos.
No caso brasileiro, não é demais citar o insignificante desempenho fiscal dos tributos que incidem sobre a riqueza, a exemplo dos impostos sobre a propriedade rural (ITR), sobre a transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos (ITCMD), sobre a propriedade de veículos (IPVA) e sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU). Além disso, o Imposto de Renda (IR) brasileiro é de reduzida produtividade fiscal, na medida em que não consegue alcançar as altas rendas, além de ser contaminado por vasta coleção de dispositivos de caráter desonerativo, em favor dos mais privilegiados.
O contrário ocorre nos países sempre tomados como modelo: EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália. Neles, as alíquotas máximas do IR são, na mesma sequência, de 39,6%, 37%, 53%, 40%, 57% e 45% (Price Waterhouse & Coopers, apud Fenafisco, 2010), ressaltando que no Brasil teve vigência uma alíquota de 35% para o IR, nos anos de 1994-1995, revogada pela Lei nº 9.250/95.
No que diz respeito ao IR, cabe registrar a necessidade de completa reformulação na sua concepção, buscando rever a mencionada coleção de dispositivos de caráter desonerativo, que ocorre em razão das possibilidades da interferência dos mais privilegiados nas atividades do Estado brasileiro, marcadamente nos poderes Executivo e Legislativo.
Considerando a forma e o conteúdo das pobres discussões sobre o tema no Brasil, parece muito pouco provável que o modelo tributário seja modificado, em favor de práticas mais justas.