Econ. Carlos Rodolfo Lujan Franco (1)
Econ. Roberto Maximiano Pereira (2)
Em momentos de crise, é compreensível que pessoas comuns sejam acometidas de pânico e histeria que acabam influenciando para tomarem decisões equivocadas e precipitadas. O que não é compreensível são decisões equivocadas adotadas por autoridades, que não estão em pânico nem têm histórico pessoal de surtos histéricos.
Estamos nos referindo ao momento atual que passa o país, com uma grave crise de saúde pública por conta do rápido contágio do Coronavirus, doença infectocontagiosa declarada como pandemia pela Organização Mundial da Saúde – OMS, em 11 de março de 2020, que está a exigir tomada de decisões corretas e rápidas para salvar vidas humanas e a economia.
Em termos de saúde pública, de acordo com o Coronavirus Resource Center da Johns Hopkins University & Medicine (EUA), o número de casos confirmados da Covid19, até 19 de abril de 2020, já somava mais de 2,3 milhões em todo o mundo com mais de 162 mil mortos e 604 mil pessoas curadas. Os Estados Unidos da América, nessa data, era o país com a maior quantidade de casos de Covid19 no mundo, chegando, aproximadamente a 735,3 mil casos. Espanha, Itália e França são países que possuem mais de 150 mil casos confirmados da doença, não obstante terem adotado medidas de isolamento social cada vez mais rígidas e extensas. A preocupação é maior ao tomar conhecimento que o surto, segundo especialistas em infectologia, ainda não atingiu o seu máximo.
Trata-se, portanto, de doença de contaminação em larga escala, atingindo a população mundial, transmitida de forma rápida. Isto é um fato, não uma fantasia. Esses números por si, alarmantes e assustadores, mobilizam autoridades de saúde e governos do mundo todo para prover, em curtíssimo prazo, infraestrutura hospitalar, equipamentos de saúde e recursos humanos suficientes, para atender essa demanda por serviços de saúde. A pandemia do Covid-19, inusitada e insólita, revelou que o mundo não estava preparado para esta catástrofe.
O Brasil, em 19 de abril de 2020, era o 12º país com mais pacientes infectados. De acordo com o Ministério da Saúde, o número de casos confirmados no país era de 36.925 pessoas infectadas com o Covid19 e o número de óbitos atingiu 2.372 pessoas. O país também não estava preparado, em termos de infraestrutura sanitária e hospitalar, para enfrentar esta doença. Estados e municípios da federação estão mobilizados e correndo contra o tempo para instalar, com apoio do Ministério da Saúde, um mínimo de infraestrutura hospitalar que impeça assistir cenas como as ocorridas na Itália, onde os mortos são transportados em caravanas de caminhões militares ou nos Estados Unidos, onde caminhões frigoríficos servem de necrotérios. E tudo porque o Coronavirus não tem remédio para curá-lo, nem vacina para neutralizar sua expansão. Embora o país esteja no início da Pandemia, a aflição das pessoas aumenta ao tomar conhecimento de divergências entre o governo federal, através da Presidência da República, e os governos estaduais e a maioria dos governos municipais, além do Congresso Nacional e do Poder Judiciário, em como enfrentar a doença.
Essas divergências acabam desorientando a população sobre como proceder para enfrentar esse surto e, pior, os poucos recursos que dispomos acabam sendo alocados de forma ineficiente na falta de uma estratégia nacional bem estruturada e eficaz.
Dessa forma, além de medidas pontuais para ampliar a rede hospitalar e salvar vidas humanas, discutem-se estratégias para enfrentar os impactos que a pandemia ocasiona na economia: se devemos colocar a população em quarentena e isolamento social horizontal (amplo) ou vertical e seletivo (restrito) e qual delas teria menos impacto na economia. Em qualquer alternativa, a pandemia provoca impactos socioeconômicos devido a uma queda abrupta da demanda e da produção – fato pouco comum na história econômica, acenando uma profunda recessão em futuro próximo. Essa crise econômica atingirá todos os países, ricos e pobres, comprometendo o comportamento do Produto Interno e ampliando a taxa de desemprego. Nos países pobres,
com economias menos estruturadas, esse impacto será maior.
Em países pobres, ou em desenvolvimento, são expressivas as taxas de desemprego, a informalidade da mão de obra e a pobreza. São questões estruturais e não apenas conjunturais. Expor a classe trabalhadora ao contágio da doença, na prática, significa que
haverá mais mortes de trabalhadores pobres e desempregados. Afirmar que o desemprego com a crise será maior chega a ser um eufemismo. De fato, o Brasil, com uma população de aproximadamente 210 milhões de pessoas, segundo o IBGE, possuía em fevereiro de 2020, antes da chegada do vírus, de acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio, a PNAD Contínua, aproximadamente 12,3 milhões de desocupados, 11,6 milhões de trabalhadores empregados no setor privado sem carteira assinada, 4,4 milhões de trabalhadores domésticos sem carteira assinada, 2,2 milhões de trabalhadores empregados no setor publico sem carteira assinada, 800 mil empregadores sem CNPJ e 19,1 milhões de trabalhadores por conta própria sem CNPJ, ou seja, a economia já estava doente.
Com o aumento do desemprego, inexorável pelo surto do Covid19, que paralisa a produção e o consumo, um sentimento de apreensão e incerteza em relação ao futuro tomou conta da sociedade, que cobra das autoridades governamentais decisões urgentes para, por um lado, planejar e executar um programa coeso e inteligente de saúde coletivo que reduza ao máximo o número de pessoas contaminadas e de mortes e, por outro, promova e implante um corajoso e robusto programa de recuperação econômica e de assistência a empresas e trabalhadores para minimizar os efeitos da inevitável recessão econômica que se avizinha.
Em situações de crise, neste caso de crise dupla, temos que gastar o necessário para que o sistema de saúde responda salvando vidas, e alocar recursos monetários suficientes para proteger empregos, garantir renda mínima para os trabalhadores informais, assistir com crédito de acesso rápido e sem taxas de juros com carência de médio prazo e perfil de longo prazo para PME, pagamento de folha salarial das micro e pequenas empresas até a retomada da produção. Estados e municípios necessitam receber recursos do governo federal para recompor suas receitas. Estas e outras medidas são necessárias para salvar o mercado interno, ainda que se recorra a emissão primaria de moeda com a compra de títulos do Tesouro pelo Banco Central.
Os governos das principais economias do mundo estão adotando medidas nesse sentido. Levantamento realizado pelo IBRE/FGV em 10 de abril de 2020 aponta que Estados Unidos aprovou plano de crédito fiscal de mais de 1,03 trilhão de dólares, Alemanha de mais de um bilhão de euros, Reino Unido de mais de 430 bilhões de dólares e assim por diante. Esses pacotes trilhonários de ajuda econômica, que estão em execução nas principais economias mundiais, significa que o impacto da crise sanitária na economia real será fortemente sentido dando margem, inclusive, para uma revisão dos acordos multilaterais e do processo de globalização, sobretudo, financeira que ocorria na economia. Fazer com que a economia real volte a funcionar passou a ser o maior desafio, no curto prazo, durante e após a crise.
O Brasil aos poucos está fazendo sua parte, o governo colocou em prática o “Auxílio Emergencial” que distribui benefícios de R$ 600,00 a R$1.200,00 por família com baixa renda, no período de 3 meses, para enfrentamento da Covid19 no curto prazo; lançou portaria que permite antecipar um salário mínimo a segurados do INSS com direito a auxílio-doença; Medida provisória permite governo custear a folha de pagamento das pequenas e médias empresas através do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda com impacto estimado da medida de R$ 40 bilhões; dentre outras ações que estão sendo elaboradas e
implementadas. Segundo o IBRE/FGV até 10 de abril de 2020 o governo federal alocou recursos de mais de R$ 568 bilhões nesses programas.
Antes, já havia sido declarado, acertadamente, estado de calamidade pública desobrigando o Governo de cumprir as metas fiscais previstas no orçamento de 2020. Em termos práticos, a declaração de calamidade pública suspende, temporariamente, metas para o ajuste fiscal, principal objetivo da politica econômica do atual governo. Cabe lembrar que a economia brasileira já estava sendo conduzida para uma redução contínua da demanda agregada por conta de uma rigorosa politica de austeridade fiscal, defendida como necessária. Com a crise essa política deixa de existir. É evidente que todo esse esforço que o governo realiza, ou pode realizar, para salvar a economia, repercutirá nas contas públicas aumentando a dívida e comprometendo orçamentos futuros.
Pensamos que não é o momento de fazer contas, mas de propor alternativas novas e instrumentos financeiros inovadores e eficazes. Podem ser pensadas várias medidas como, por exemplo, reestruturar a dívida pública com pagamentos de juros menores, prazo maior e prestações postecipadas para daqui a dois ou três anos tirando o peso da dívida no orçamento fiscal, (“funding loan”?), ou, ainda, estudar a implantação do sistema americano de pagamento de dívida pública.
Propor uma reforma tributária que corrija a regressividade do atual sistema e verificar a possibilidade de examinar o orçamento público dividido em duas partes, uma para despesas correntes e uma outra para investimentos, indicando fontes de financiamento específicas para cada uma, são também alternativas. A negociação com bancos multilaterais de financiamento e de organismos internacionais para a suspenção temporária de pagamento de contratos, seria uma outra. Vários são os caminhos. Não obstante, a preocupação esteja centrada nas questões acima levantadas, a crise nos traz alguns dilemas que a sociedade deve enfrentar no futuro, ou seja, após a crise.
Citemos alguns:
1) A elaboração de um plano de resgate social da população em estado de pobreza com estratégia e plano de segurança alimentar devem ser um dos primeiros e principal foco de atenção dos governos para que a sociedade não colapse. A crise mostra que os mais pobres devem sofrer mais que os mais ricos.
2) Não há como desconhecer a importância, na economia, das pequenas e médias empresas. Com recursos a fundo perdido, o empreendedorismo para a diminuição da informalidade e da precariedade do trabalho no Brasil e, também, para inclusão econômica da população de baixa renda, é prioritário.
3) Parece pacifica a urgência de ter sistemas de saúde pública mais bem estruturados, com cobertura ampla e apoio para a realização de pesquisas medicas e farmacêuticas para prevenir doenças infectocontagiosas que se propagam em escala mundial. E, cada vez mais, o uso de Inteligência Artificial, Biotecnologia através da Medicina de Precisão, Supercomputadores e redes de colaboradores para coleta e comunicação de dados, o papel do SUS no fornecimento de assistência médica e seu aparelhamento com tecnologia e profissionais treinados e valorizados. Em conjunto, essas áreas devem ser fortemente apoiadas.
4) Um dos maiores desafios da atual geração consiste em enfrentar a empregabilidade x tecnologias disruptivas e 5G. O mundo diminui o emprego, como encarar um mundo em que a tecnologia é poupadora de trabalho? Devemos unir avanço tecnológico com inclusão produtiva, devemos investir no conhecimento, no treinamento, na educação. Dar resposta para como conciliar competitividade e ganho de produtividade com empregar maior contingente de pessoas. Qual o modelo econômico que propomos? Como desvincular esse falso dilema? Como preparar as pessoas para o novo mundo pós-crise? Mais uma vez, temos que focar na educação tecnológica inclusiva, treinamento e trabalho tecnologicamente inclusivos.
5) A economia não pode continuar funcionando seguindo apenas as regras do mercado, existem outros fatores que interferem no funcionamento da economia e a presença do Estado é de fundamental importância, não somente nas crises. Nada é mais fantasioso que imaginar que as decisões de produzir, distribuir e consumir são exclusivas da livre iniciativa e que o Estado não
deve intervir. Temos que reconstruir um novo Pacto Federativo para o Brasil e sermos protagonistas também nas discussões e avanços na reconstrução do mundo e das novas regras econômicas mundiais, novos posicionamentos da ONU, Banco Mundial e principais players e policymakers, no póscrise não deve haver espaço para timidez, ou jogo não cooperativo.
6) As perdas nas bolsas de valores do mundo todo de trilhões de dólares nos últimos 30 dias, mostram que a instabilidade e imprevisibilidade do mercado financeiro continuarão voláteis até a recuperação da economia real e muitas empresas precisarão ajuda do governo para continuar produzindo. A economia não será vista apenas pelo comportamento das bolsas de valores, mas pela sua capacidade de gerar e promover o bem estar das pessoas. Essas serão as principais variáveis para a avaliação das empresas. Este sentimento está ficando cada vez mais claro.
A crise na saúde abre, assim, uma oportunidade para reavaliar a politica econômica sob novas bases e aponta para a possibilidade de o país sair melhor dela com politicas econômicas mais bem estruturadas e direcionadas para o desenvolvimento da economia e melhoria da condição de vida das pessoas. É necessária a preparação de um plano nacional de recuperação da economia.
Resta saber, no entanto, se as políticas assistenciais que estão sendo implementadas serão suficientes para reanimar a economia, caso contrário, e suspendendo essa transferência de renda, haverá uma eclosão social desfazendo os esforços que forem realizados. Pensamos que o esforço para a reconstrução da economia deverá ser maior e por longo prazo. Não se trata, portanto, de escolher entre morrer de fome ou morrer de Covid-19, trata-se de escolher a VIDA, para (depois da crise) construir uma economia forte buscando uma sociedade com mais equidade e justiça social.
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(1) Mestre em Desenvolvimento Urbano – Conselheiro Corecon Ba.
(2) Mestre em Economia – Pesquisador e Consultor