II GRANDE REVOLUÇÃO E 100 ANOS DA CRIAÇÃO DA URSS [1]
Livio A. Wanderley[2]
O termo “REVOLUÇÃO” denota mudanças estruturais profundas nas rotinas de funcionamento das ordens econômica, social e política, podendo ter rebatimentos na cultura da formação social.
A II Grande Revolução ocorreu quando da formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Acontecimentos do processo revolucionário são retratados nos filmes “O Encouraçado Potemkin”, “Outubro“, “Stalin ” e “O Círculo do Poder”. Os fundamentos básicos desse evento devem-se as clivagens de ordem teórica, socioeconômica e política que serão colocados através de antecedentes, consecução e implantação, implementação e consolidação, e epílogo.
ANTECEDENTES
Com o choque da grande indústria no século XIX adveio uma leitura sobre o funcionamento do então capitalismo assalariado através do “O Capital“ de Marx. Esta obra expõe a realidade do capitalismo tal qual a sua acumulação e reprodução ocorre através do paradigma do desequilíbrio entre capital e trabalho, diferindo-se da então lógica do equilíbrio de mercado smithiano e de equalização de margens da produção e do consumo de matriz neoclássica. A Rússia apesar de ter algumas indústrias no final desse século, ainda era um país estritamente agrário e feudal e convivia com grande concentração de riqueza dos proprietários e de pobreza dos camponeses e assalariados.
A ordem de poder apoiava-se no regime absolutista dos czares ou tzares em que predominava os privilégios para as classes dos proprietários e forte repressão sobre insurgentes. O primeiro Czar foi Ivan I e a consolidação do poder czarista deveu-se a Ivan IV (o terrível), sendo seguido por outros entre os quais Pedro I o reformador e Catarina II que se focaram no ocidente. No início do século XVII, nomeia-se a dinastia dos Romanov que perdurou até II Grande Revolução em 1917. Dada às precariedades sociais e as novas ideias de sociedade socialista, têm-se as mobilizações políticas através do Partido Operário Social-Democrático da Rússia (POSDR) com partícipes de Plekhanov, Lênin, Trotsky, Martov e outros que contribuíram para a criação da URSS.
No II Congresso do POSDR em 1903 (Londres) há uma divisão de lideranças no que tange ao método a ser adotado para se chegar ao socialismo, de um lado, Lênin (bolchevique) – defendia o “centralismo democrático” e de um partido pequeno e sectário de profissionais revolucionários (marxismo leninista: político) e, de outro lado, Martov (menchevisque) de linhagem marxiana, defendia a maturação do capitalismo social democrata e de um grande partido de ampla representatividade social (Marx: econômico). Trotsky não adere à visão autoritária de Lênin e pende para os menchevisques com a ressalva de que a sua tese de “revolução permanente” se aplica as etapas da democracia burguesa, do socialismo com amplitude internacional. A revolução de 1905, com a participação de Trotsky, inicia-se em prática o processo revolucionário que apesar do insucesso, obrigou o regime czarista criar a Duma (Parlamento) e os Soviets (Conselhos Populares). (Filme do episódio “O Encouraçado Potenkin”).
CONSECUÇÃO E IMPLANTAÇÃO
O ano de 2005 foi o ensaio geral para a revolução de fevereiro de 1917 que findou a era dos czares. Esta revolução de caráter popular foi liderada pelos menchevisques (então de maior apoio popular) tendo como um de seus líderes Kerensky. Cria-se um Governo Provisório (GP) de perfil democrático e burguês e G. Liov assume a chefia, sendo em julho substituído por Kerensky. Este Governo com apoio popular tentou consolidar a democracia concedendo anistia política, fortalecendo a Duma e os Soviets, e outras iniciativas. Lênin, Trotsky, Martov e outros retornam do exílio e são libertados, Kamenev, Stalin, etc. Lênin assumindo liderança do Soviet de São Petersburgo (Petrogrado) propõe as “Teses de Abril” com suas estratégias de ação partidária com forte influência da “revolução permanente” de Trotsky, definindo objetivamente a possibilidade de se passar de imediato a etapa burguesa para a socialista. A síntese destes dois líderes, Lênin com a sua teoria do partido e Trotsky com a sua revolução permanente foi crucial para o êxito da então “insurreição bolchevique” em outubro de 1917. Stalin neste período se postou equidistante entre as posições radicais e conciliadoras em relação ao GP. Explorando-se os anseios populares que demandavam paz (saída da guerra com a Alemanha), pão (escassez e alta inflação) e terra (revolução agrária para findar os latifúndios), o partido bolchevique sob a liderança de Lênin tem êxito no ataque ao Palácio de Inverno e derroca o GP. (Filme do episódio “Outubro“).
Em síntese, o novo governo bolchevique promove mudanças estruturais. A propriedade privada foi abolida e fez-se a nacionalização e/ou estatização de bancos, indústrias e a desapropriação fundiária (campesinato não entende, pois as desapropriações dos latifúndios foram apropriadas pelo Estado e não distribuídos entre eles); promove-se o acordo de paz com a Alemanha (Brest Litovski) tendo vasta desvantagem territorial, introduz-se em 1918 uma nova Constituição Socialista, e outras mudanças. Em consequência tem-se uma Guerra Civil (1918 – 1921) que resulta na quebra total da economia da Rússia. Após o fim da guerra, Lênin recua em sua estratégia econômica com a NEP (Nova Política Econômica) que permite a propriedade privada, a economia de mercado e outras gestões de caráter capitalistas. Em 1923 uma nova Constituição é elaborada em que se cria a então URSS (Confederação de várias Repúblicas regionais autônomas que aderiram à nova ordem política) sob a orientação da Secretaria Geral do Partido Comunista (PC). Com a doença e morte de Lênin em 1924, Stalin assume a Secretaria Geral do Partido Comunista.
IMPLEMENTAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO
Após os debates, conflitos, articulações e conspirações em que Trotsky para muitos seria o sucessor natural de Lênin, contudo não se confirma em razão do total controle partidário que Stalin mantinha como Secretário Geral do PC. Cria-se um triunvirato composto por Stalin, Kamenev e Zinoviev. Diante da postura e iniciativas da troika, especialmente, de Stalin, no sentido de concentrar o poder em torno de si através da burocratização e do clientelismo na gestão de governo, apresentou-se um grande debate e troca de acusações com Trotsky, ao tempo em que Stalin conseguiu expulsá-lo do PC em 1927 e em seguida exilá-lo a força em 1929. Em oposição ao conceito de “revolução permanente” e imbuído na tese de “socialismo em um só país”, Stalin adota duas frentes de combate simultânea e integrada – economia e política – visando o total controle do poder.
Uma frente foi erguer a economia da URSS findando os resquícios da NEP e introduziu a Planificação Econômica através dos Planos Quinquenais (PQ). Visando seu êxito, adotou-se a força policial e métodos arbitrários, especialmente no combate aos kulaks (agricultura privada próspera). O I PQ (1928 – 32) impôs-se a coletivização forçada da agricultura via cooperativas (kolkhozes) e fazendas estatais (sovkhozes), e fez-se a industrialização acelerada com prioridade ao setor de bens de produção. O II PQ (1933 -37), dar-se continuidade na indústria pesada e se desenvolve a indústria de consumo. O III PQ (1938 – 42) não foi concluído em razão da 20 Guerra Mundial.
Outra frente envolve a ordem política e o exercício do poder através da formação de uma camada social burocratizada oriunda em sua maior parte de classes proletárias do campo e da cidade. Segundo Löwy em seu livro “As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchhausen”, esta camada era destituída, no sentido marxista, do conceito de classe social, mas tratava-se de “… uma ‘ordem social (Stand)’ definida por critérios político-ideológicos, de formação análoga à ordem clerical das sociedades pré-capitalistas.” A nova ordem política se pautou pelo culto a imagem, a personalidade e a personificação do poder do então líder Stalin. Este culto privou a sociedade das liberdades de opinião e expressão, fato este que se propiciaram perseguições, acusações e julgamentos forjados, condenações para os Gulags (campos de trabalhos forçados) e assassinatos políticos a todos os dissidentes, inclusive bolcheviques da velha guarda – Kamenev, Zinoviev, Bukharin, Trotksy, etc. (Filme: “Stalin”)
Dessa forma, com a combinação dessas duas frentes a URSS consegue em 30 anos, transmutar-se de uma economia atrasada pautada em grandes latifúndios e feudos em um exitoso país no que tange a tornar-se uma potência econômica, política e militar. A breve experiência como uma economia de resquícios burguês e capitalista e um sistema político democrático se deu na tentativa do GP entre fevereiro e outubro de 1917.
EPÍLOGO
Toda ação e utopia revolucionária geram atos rudes violentando o Status Quo vigente. Cabe avaliar que estratégia temporal se prescinde para atingir tal fim. As teses teleológicas da revolução de outubro de 1917 que se imputam ideais de igualdade e liberdade no longo prazo foram rompidas com o modelo stalinista, pois se pautou no fato de que “todo fim justifica qualquer que sejam os meios”, resultando no declínio da utopia de 1917. (Filme: “O Circulo do Poder”). —————————————————————————————–==================——-
FICHAS TÉCNICAS
———————————————————————————————–“O Encouraçado Potemkin”
Origem: União Soviética
Ano de produção ou streia: 1925
Duração: 74 min
Direção: Sergei Eisenstein
Elenco: Vladimir Barsky, Grigori Aleksandrov, Aleksandr Antonov
SINOPSE
Em 1905, marinheiros a bordo do navio de guerra Potemkin fazem um motim a bordo, devido às péssimas condições de higiene e falta de comida. A população da cidade de Odessa solidariza-se, enviando-lhes alimentos em barcos. O Exército do czar promove um massacre na cidade para tentar conter a rebelião, que foi precursora da Revolução Russa de 1917.
“Outubro”
Origem: União Soviética
Ano de produção ou streia: 1927
Duração: 103 min
Direção: Sergei Eisenstein e Grigori Aleksandrov
Elenco: Boris Livanov, Chibisov, Eduard Tisse
SINOPSE
Em tom de documentário, acontecimentos em Petrogrado são encenados desde o fim da monarquia, em fevereiro de 1917, até o fim do governo provisório em novembro do mesmo ano. Lênin volta em abril. Em julho, os contrarrevolucionários mandam prendê-lo. Em outubro, os bolcheviques estão prontos para atacar: os dez dias que abalaram o mundo.
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“Stalin”
Origem: EUA e filmado na União Soviética
Ano de produção ou estréia: 1992
Duração: 153min
Direção: Ivan Passer
Elenco: Robert Duvall, Daniel Massey
SINOPSE
Em 1917, a nação russa alegrava-se com a queda do Czar. Mas, em pouco tempo, o sonho da democracia no país foi substituído por outro pesadelo: a sangrenta vitória do Comunismo. Quando se pensava que o derramamento de sangue na Rússia havia terminado, 1924 o ex-seminarista Josef Stalin subia ao poder e iniciava um reinado de terror, que custaria a vida de quase 50 milhões de pessoas. Um relato histórico e poderoso, com interpretações magistrais de Robert Duvall no papel do tirano ditador que marcou sua vida pela crueldade, e um grande elenco de astros internacionais. Stalin é a primeira produção americana filmada dentro do Kremlin.
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“O Círculo do Poder”
Origem: EUA, Itália, União Soviética.
Ano de produção ou estréia: 1991
Duração: 137 min
Direção: Andrey Konchalovskiy
Elenco: Bob Hoskins, Lolita Davidovich e Tom Hulce
SINOPSE
Ambientado em 1939, na Rússia de Stalin onde Hulce faz um projecionista de nome Ivan Sanshin, recém-casado, que trabalha na KGB e é requisitado para passar filmes para Stalin sem poder comentar o caso com ninguém. Frequentando o círculo do poder, ele se torna ao mesmo tempo um privilegiado e uma marionete nas mãos de assessores do líder, arriscando o futuro seu e de sua esposa. Baseado em história verídica. Muitas cenas foram filmadas dentro do próprio Kremlin.
[1] AI Grande Revolução foi a Revolução Francessa de 1789 que será objeto de outra oficina no Cine Clube da Faculdade de Economia da UFBA..
[2] Doutor em Administração de Empresas pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP/FGV) e professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal da Bahia (PPGE/UFBA). livio@ufba.br