A Economia Brasileira está em crise?
Gustavo Casseb Pessoti
Presidente do CORECON-BA
Diretor de Indicadores e Estatísticas da SEI
Professor de Macroeconomia da Unifacs
Esse não será um daqueles artigos extensos, com muitos termos em economês para explicar as origens das crises sistêmicas do capitalismo e muito menos um debate ideológico que responsabiliza o governo federal por tudo que está ocorrendo na economia brasileira em 2015. Trata-se apenas de um ponto de vista, mais um entre tantos que estão sendo elaborados pelos Economistas, diante da grande instabilidade da economia brasileira atualmente. Por isso, permitam-nos responder a pergunta norteadora dessa análise, já no primeiro parágrafo. Sim, estamos em crise econômica e política, com fortes rebatimentos para a sociedade e sem qualquer perspectiva ou possibilidade de solução em curto prazo. Essa não é uma visão pessimista, mas a realidade dos fatos, nada mais do que a realidade. Vejamos, pois, alguns fatos concretos que embasam essa resposta tão contundente e sem margem de contestação.
A forma mais corriqueira de analisar a “saúde econômica” de um país é a interpretação dos resultados do desempenho do Produto Interno Bruto, o PIB, que mede tudo aquilo que foi produzido pelos setores produtivos da agropecuária, indústria e serviços, em um determinado período de tempo, tomando-se como base de comparação o igual período de um ano anterior. O PIB do Brasil, segundo as informações mais recentes do IBGE, retraiu-se 2,6% no segundo trimestre de 2015, piorando o resultado que também havia sido negativo no primeiro trimestre, quando a economia brasileira havia encolhido 1,6% em comparação com o mesmo período de 2014. Esse resultado de dois trimestres consecutivos com o PIB negativo caracteriza o termo que os Economistas denominam recessão técnica do país.
Mas, particularmente, não gostamos de trabalhar com a perspectiva de analisar o resultado da economia apenas como um somatório de valor e dizer com base nesse número se estamos bem ou mal. Preferimos antes, mostrar que o PIB é o resultado da ação de 4 agentes econômicos que realizam uma série de transações entre si: as famílias, as empresas, o governo e o “resto do mundo”. Ao entendermos as variáveis que interligam esses 4 agentes, podemos ter uma pista mais real e menos impessoal sobre o desempenho da economia de um determinado país. Para tanto, precisamos usar a contabilidade social que associa a cada um desses agentes um conjunto de atribuições e responsabilidades dentro do circuito econômico. Assim, as famílias representam o consumo, as empresas representam os investimentos, o Governo aparece como responsável pelos gastos públicos e o resto do mundo é o responsável pelas nossas negociações exteriores, sobretudo, representadas pelas nossas exportações e importações. Com isso, o PIB pode ser analisado como resultado da demanda agregada em consumo, investimentos, gastos governamentais e pelo saldo da balança comercial.
Quando analisamos as variáveis que estão diretamente associadas às famílias e que respondem diretamente pelo fluxo de consumo, pensamos de forma bem direta no nível de renda, no mercado de trabalho e, por conseguinte, na geração de empregos, na disponibilidade de crédito e no nível de endividamento/comprometimento da renda para pagamentos de itens consumidos no passado. Visto com base nesses indicadores, as famílias brasileiras “não aparecem bem na foto” que retrata a conjuntura econômica atual. O salário médio real está em queda, sobretudo, em função da elevação inflacionária do início do ano e o mercado de trabalho demitindo mais do que contratando. Segundo as informações do Ministério do Trabalho, no segundo semestre de 2014 houve um saldo negativo – resultado de um volume maior de demissões em relação ao número de contratações – de 176 mil postos de trabalhos formais que foram fechados. Nos primeiros seis meses de 2015, esse número negativo praticamente dobrou com o fechamento de 345 mil postos de trabalho. Como sabemos, de maneira geral, os empregos formais são os que garantem mais proteção ao trabalhador e que ajudam a elevar o valor do salário médio real da economia. Com renda menor e com maior instabilidade no mercado de trabalho, as famílias brasileiras estão consumindo menos e muitas acabaram ficando endividadas. Por incrível que pareça, a inadimplência não se elevou em níveis descontroláveis, mas com a atual política de elevação dos juros e de maior seletividade nos empréstimos bancários, muitas não estão conseguindo honrar os compromissos assumidos anteriormente. Os preços continuam se elevando, sobretudo, de itens básicos como combustíveis, energia, gás de cozinha, transporte, alimentação o que se piora o quadro das famílias. O consumo que já se desaqueceu no primeiro trimestre do ano (queda de 0,9%), perdeu mais fôlego ainda no segundo trimestre (queda de 2,7%) e deve continuar nesse ritmo de baixa durante todo o segundo semestre, sobretudo, por não existir qualquer expectativa de mudança nas variáveis analisadas. A renda continua perdendo poder de compra ao passo que inflação continuará pressionando os preços de itens importantes para a subsistência do trabalhador. Com a renda mais comprometida na aquisição dos produtos de primeira necessidade e com o pagamento dos empréstimos mais caros, as famílias devem desacelerar mais ainda o Consumo.
Em relação às empresas as variáveis mais importantes estão relacionadas ao investimento produtivo e ao nível de confiança que os empresários depositam na economia brasileira. Podemos dizer, de certa forma, que o resultado das famílias impacta diretamente o nível de investimento, de forma que o consumo sinaliza para a necessidade ou não de se realizar novos investimentos. Ora, se o consumo está em baixa e a renda média do trabalho assalariado em queda, evidentemente os empresários sabem que a elevação de novos investimentos deverá significar um acúmulo de estoques e uma perda de dinheiro com custos operacionais. Basta ver os pátios das grandes montadoras de veículos ou a situação do mercado imobiliário para entender o que essa situação significa. Como resultado dessa relação e ainda do baixo nível de confiança dos empresários em relação aos rumos do cenário nacional e internacional, o investimento teve uma forte queda ao longo dos últimos dois anos, intensificando-se a desaceleração no primeiro semestre de 2015, quando o resultado foi 9,8% menor do que o mesmo período de 2014. Com as taxas de juros altas, consumo em baixa e com as expectativas cada vez mais negativas, as perspectivas para o nível de investimento não são nada positivas para o curto prazo. Se os investimentos não forem retomados, não há como pensar em uma taxa de crescimento realmente sustentada para a economia e falando francamente, há alguma possibilidade do empresário abrir mão de seu “espírito animal” tão propalado na teoria e anunciar uma grande partida de novos investimentos em um cenário como esse?
Por isso, é importante entender que o resultado do PIB, quando analisamos as transações realizadas entre as famílias e as empresas, depende muito do papel de um terceiro agente que é o governo. “As livres forças” do mercado econômico não parecem estar muito interessadas na retomada dos investimentos que conduziriam o país a uma situação econômica de mais equilíbrio. Mas, ao mesmo tempo é importante relativizar um assunto que trataremos um pouco mais para frente: a culpa pela crise atual e a diminuição de crescimento do PIB são de plena responsabilidade do Estado (ou, nesse caso, do Governo, como órgão de ação executiva e política do Estado)? Quem entendeu plenamente as considerações que já fizemos até esse momento já consegue perceber que não! A diminuição no ritmo de crescimento do PIB está relacionada, como dissemos, ao conjunto de transações realizadas entre os 4 agentes. O governo até pode ser o mais importante, mas obviamente ele não é o único responsável pelo quadro conjuntural atual. Se a economia chinesa crescer menos ou se os juros americanos voltarem a subir, pode o governo evitar o “efeito manada” nas desvalorizações naturais da moeda brasileira? Há um forte reducionismo de viés ideológico que acredita piamente na plena responsabilização do governo brasileiro em tudo que acontece e que pode acontecer na economia.
Qual é o papel que o governo exerce nesse fluxo de integração entre famílias, empresas e o resto do mundo? O governo estimula a economia com seus gastos públicos, mas diminui o poder de compra das famílias e das empresas em função da necessidade da cobrança compulsória de impostos diretos e indiretos. No caso brasileiro, o governo utilizou uma estratégia macroeconômica robusta e complexa para estimular a economia, pautando-se em metas de inflação, flexibilidade de câmbio e metas de contenção para os gastos públicos, em percentual do PIB. O chamado tripé macroeconômico rendeu ao país o título de uma economia confiável que vigorou bem até em 2013. No entanto, alguns equívocos na condução econômica já eram evidenciados, como a elevação do déficit em transações correntes do balanço de pagamentos, a elevação no consumo (que se transformou em consumismo) e no endividamento das famílias brasileiras (uma vez que as taxas de juros permaneceram em patamares elevados nos dois mandatos na presidente Dilma), e do estendimento, para além do prazo de validade, das medidas anticíclicas adotadas para minorar os efeitos da crise financeira global no país. Embora justificáveis à época de sua implantação, como um elemento da “boa intervenação governamental” para obter resultados econômicos mais eficientes ou socialmente desejáveis, tais medidas acabaram elevando os gastos públicos e , em alguns casos, como nos subsídios setoriais concedidos à indústria automobilística, os resultados foram aquém dos esperados. É inegável que o ritmo de expansão do gasto público (que passou a evoluir de modo quase autônomo desde então) prevaleceu ante a capacidade contributiva da sociedade. Muito dos desajustes econômicos de hoje devem ser atribuídos as medidas anticíclicas, cuja a extemporaneidade e erros de diagnósticos levaram aos déficits orçamentários de hoje.
Mas, em nossa opinião, a maior miopia se deu na não observância do elevado ritmo de queda dos investimentos produtivos. Esse fato não poderia (ou deveria) ter passado despercebido pela equipe econômica, pois os dados do IBGE revelavam a cada trimestre, que o ritmo dos investimentos públicos e privados era cada vez menor, tornando-se negativos durante todo o ano de 2014 e no primeiro semestre de 2015. Além de não conseguir reverter a tendência de queda nos investimentos, os gastos públicos aumentavam em proporção ao PIB, sobretudo, em função da continuação das políticas sociais que garantiram a governança da presidente, aumento do passivo em função das elevadas taxas de juros e dos subsídios que foram concedidos em torno dos preços administrados (combustíveis e energia), para evitar uma elevação da inflação em ano eleitoral. Não está e nem estava tudo errado nessa condução, como muitos analistas de mercado estão tentando supor. Mas, evidentemente, sem a retomada dos investimentos e com o aumento do endividamento, consubstanciado na queda do PIB brasileiro em aproximadamente 2,5%, fica difícil defender a atual engrenagem que está sendo usada pela máquina pública brasileira. Para piorar, uma inflação elevada (9,5%), justamente provocada e majorada em função dos preços administrados, que acabaram aumentando os custos e forçando o ajuste em outros itens importantes, fez parecer que o “descontrole dos gastos públicos” tinha um efeito ainda mais negativo na Economia.
E o remédio para combater essa situação? Mais trivial impossível, e envolvendo mecanismos básicos de elevação na taxa básica de juros e diminuição na oferta de crédito, justamente no momento em que as famílias aumentavam o seu nível de endividamento. E claro, aumento da carga tributária ou expectativa de aumento, desde que o governo recupere a sua governabilidade perdida em meio aos desentendimentos com as casas legislativas. Além é claro das tentativas de redução dos gastos públicos e ajuste das contas.
No entanto, em meio a este cenário de queda do nível de atividade econômica e deterioração das expectativas dos agentes econômicos sobrepuseram-se as incertezas associadas ao enfraquecimento político do poder executivo, que enfrenta sérias dificuldades em aprovar o conjunto de medidas que compõem o chamado “ajuste fiscal” no âmbito do poder legislativo. E mesmo, dificuldades do próprio governo em determinar qual será o montante dos cortes e qual o tamanho ótimo do orçamento. Outros fatos políticos, relacionados às investigações da chamada “Operação Lava-Jato” contribuem para a estagnação de investimentos em importantes cadeias produtivas de setores como a construção civil, construção naval e petróleo e gás. Além de paralisar importantes investimentos, essa situação de perda de confiança dos agentes econômicos na macroeconomia brasileira também influencia nas relações do governo com o resto do mundo, sobretudo, em função das entradas de dólares em papeis brasileiros. A “fuga do capital” é, sem dúvida, um dos elementos que ajudam a entender a desvalorização recorde na moeda brasileira frente ao dólar ($1 = R$ 4,20) em 2015. Enfim, o governo, como elemento entre as famílias, as empresas e o resto do mundo, obviamente tem sua fatia de contribuição no que está acontecendo na economia brasileira atualmente.
Para finalizar essa breve incursão, é preciso destacar o papel do “resto do mundo”, pois a situação atual de incertezas e de efeitos colaterais para dentro da economia brasileira, também está associada ao que está acontecendo lá fora, com nossos principais parceiros comerciais. O Brasil entrou em 2015 precisando de ajustes em diversas frentes, entre elas, nas contas externas. Entre 2012 e 2014, o déficit em conta corrente (que agrega balança comercial e balança de serviços) dobrou de 2,2% para 4,4% do PIB, um nível elevado para padrões brasileiros. Financiar um déficit desta magnitude é difícil, especialmente considerando a perspectiva de alta de taxa de juros nos EUA e a provável redução dos investimentos estrangeiros diretos no Brasil, consequência da desaceleração da atividade econômica.
O aumento do déficit externo foi consequência de uma combinação de excessos domésticos e mudança do cenário global. O acelerado crescimento do consumo interno até 2014, em meio a restrições do lado da oferta e câmbio valorizado, impulsionou as importações. Ao mesmo tempo, a queda expressiva nos preços das commodities reduziu o valor financeiro das exportações. Como não devemos voltar a ver os preços das commodities subindo como na década passada, ¬ especialmente com os novos sinais de desaceleração na China, ¬o ajuste das contas externas exigiu uma importante depreciação do real. Nos últimos 12 meses, a taxa de câmbio depreciou cerca de 60%, um movimento expressivo sob qualquer parâmetro.
O comércio global vem desacelerando significativamente desde a crise financeira iniciada em 2008. Segundo as últimas estimativas da Organização Mundial do Comércio, ele deverá crescer apenas 2,5% em 2015. Um dos piores resultados dos últimos tempos, bem inferior aos 3,3% estimados em abril e que já eram uma revisão para baixo. Um impacto maior que o previsto é a desaceleração na China, que responde hoje por 15% da produção global sendo a segunda maior economia do mundo e a maior nação comerciante (na soma de exportações e importações).
A queda de preços das commodities exportados pelo país também “conspira” contra um rápido crescimento das exportações. A cotação do petróleo e combustíveis caiu 45% no primeiro semestre de 2015. No caso das manufaturas, a baixa foi de 7,5%, e das commodities primárias, de 18%. Para as exportações brasileiras, a disparada do dólar melhora substancialmente a situação das exportações, embora ainda não se esteja conseguindo vencer a barreira do encolhimento dos principais mercados importadores. Isto é, para conseguir ampliar nossas exportações, em meio a essa desvalorização cambial seria imprescindível que a economia mundial (sobretudo, aqueles países com quem mantemos as maiores transações comerciais) voltasse a dar sinais mais consistentes, o que não parece nada provável, pelo menos em curto prazo.
Para concluir é importante mencionar que uma crise não deve e não pode ser responsabilidade única e exclusiva de um agente específico. Ela atinge a economia capitalista na sua raiz, dificultando a circulação monetária, diminuindo a produção de bens e serviços e restringindo os fluxos globais de transações. Esse artigo, a nosso ver, buscou ser claro e transparente quanto à explicação, para a situação atual do país. Na democracia estamos sempre sujeitos à discordância de argumentações bem como a críticas que possam ser feitas ao nosso pensamento. O que não podemos é ser levianos e “dar a César o que não é de César”.
A realidade é que a economia brasileira está em crise, não apenas influenciada pelas especulações monetárias, mas uma crise no lado real da economia. A queda de 2,5% do PIB, combinada com uma expressiva redução no emprego formal e com uma inflação acima da expectativa, indica que estamos revivendo um problema que nos acompanhou durante os anos 80 do século passado. Como prometemos não alcunhar nenhum termo técnico, também não ousaremos repetir a expressão que sintetiza essa situação econômica – até para aguçar a curiosidade dos mais novos -, que ainda tem como elemento fundamental, a piora na expectativa dos agentes econômicos. E como dizia um importante Economista britânico já falecido e cujas análises parecem estar cada vez mais esquecidas, as expectativas jogam um papel primordial na reativação dos investimentos produtivos.
Para melhorar essa situação, os Economistas de hoje, muito influenciados pelos do passado, voltaram a discutir o tamanho ótimo do Estado. Prova que nossas discussões teóricas ainda encontram um terrreno fértil de aplicações práticas. Há aqueles que acreditam que a solução para o Brasil passa pela renúncia da presidente, como fator necessário para a recuperação da governança e governabilidade do país. E, combinado com esse fato político, um ajuste fiscal progressivo, para que o Estado tenha as condições de fazer os investimentos necessários para estimular a iniciativa privada voltar a crescer. Com isso, retomar as rédeas do crescimento econômico dentro da visão de uma intervenção de curto prazo para “desobistruir” o custo Brasil de produção. Mas há também aqueles que entendem que um ajuste fiscal muito rigoroso, longe de reativar a economia, pode intensificar a recessão, dada a importância do Estado na dianteira de processos que diminuíram as desigualdades sociais no Brasil dos últimos anos. Para esses, a elevação da taxa de juros para combater uma inflação de oferta está retroalimentando o endividamento público, sem alcançar os objetivos pretendidos.
Mas, a ciência econômica permite uma visão plural, ainda que os Economistas briguem para estabelecer um pensamento dominante. O ajuste fiscal parece ser um mal necessário em tempos de “planejamento” de curto prazo. O problema agora é o tamanho do corte nos gastos públicos para uma economia estagnada. Se é verdade que a economia é o resultado da ação dos 4 agentes, é preciso lembrar que no período de bonança, nem sempre ganham todos, mas na recessão o custo é distribuído para toda a sociedade. Tomara que o custo social dessa decisão não implique na “morte” de mais consquistas e na retomada de uma visão com olhos apenas no passado.