Aliada à concepção da festa, o modelo econômico do Carnaval de Salvador também já começa a ser repensado. A atual realidade financeira das empresas e foliões revela novas tendências para os negócios na folia baiana, como acreditam economistas, publicitários e empresários do setor. “São medidas que devem ser adotadas o quanto antes, para não comprometer o potencial de mercado da festa”, diz o economista Edísio Freire.
A Prefeitura, por outro lado, pretende se antecipar, assegurando novas formas de atratividade e rentabilidade para a população, turistas e patrocinadores. A ideia é lançar a folia de 2016 em evento nacional já no início do segundo semestre deste ano. “Para que o nosso produto possa ser vendido de forma mais planejada”, frisa o presidente da Empresa de Turismo de Salvador (Saltur), Isaac Edington.
Novos circuitos e espaços, valorização de manifestações autênticas, além da associação das grandes atrações a marcas exclusivas, estão entre os novos caminhos apontados para a folia baiana, tanto pelo poder público, quanto pela iniciativa privada. Tudo num cenário que já prevê mais trios sem cordas e novas formas de exposição de marcas.
“Puro capitalismo”
Para Edísio Freire, o grito pela renovação do Carnaval de Salvador discutido atualmente no aspecto cultural é puro reflexo da estagnação da concepção capitalista dos negócios realizados na folia. “A festa foi ganhando a cada dia viés econômico até chegar a uma saturação de modelo, que agora só pode ser renovado com a valorização do viés cultural”, diz.
Na prática, para reverter a tendência de crise da folia, ele só vê uma saída: o subsídio às manifestações autênticas culturais. “É preciso que, a princípio, o poder público invista não só na logística, mas no peso da produção cultural local de real potencial, a exemplo dos blocos afros e artistas comprometidos com qualidade musical, diferentemente dos fenômenos efêmeros”, disse.
Segundo Freire, a festa como se tem hoje está fadada ao enfraquecimento justamente porque os artistas e empresários do Carnaval já não lucram mais como antes. Ele aponta dois aspectos que contribuíram para a queda nos rendimentos no setor: primeiro, a ascensão da classe C a segmentos, que antes eram reservados apenas a quem tinha elevado poder aquisitivo. Depois, a retração da economia nacional, após uma elevada euforia com o crescimento.
“Pagava-se, antes, muito caro para sair em blocos; depois estes foram se tornando mais acessíveis, assim como os camarotes, levando-se hoje a até se criar novas áreas vips dentro dessas estruturas”, diz o economista, completando: “Por ouro lado, a acomodação da economia fez do folião um consumidor mais exigente e mais realista, ou seja, tornou-se mais difícil encontrar quem pague R$ 1 mil ou R$ 2 mil, por um dia de folia momesca”, afirma.
Sem grandes lucros
Freire lembrou que, até há pouco mais de cinco anos, os blocos e camarotes mais concorridos eram vendidos “por valores astronômicos”, ficando praticamente esgotados para o ano seguinte, antes mesmo de terminar a folia do ano corrente. “Era uma lógica capitalista perversa para a realidade da maioria da população brasileira, mas que gerava altos lucros para os empresários do setor e marcas que se agregavam à mesma estrutura”, afirma.
De acordo com o economista, os patrocinadores agora querem não apenas o retorno institucional para suas marcas, mas vendas de fato. “Daí o sucesso do modelo público da Prefeitura de Salvador com cotas de patrocínio para os circuitos, prevendo restrição de vendas de concorrentes que não adquiriram cotas”.
Já no modelo privado, ele acredita que a tendência imediata é de que o empresário de artista conhecido nacionalmente busque outras praças em que o antigo modelo do carnaval baiano ainda seja visto como novidade, “levando-o a assegurar lucros de outrora”. Para Freire, será preciso repensar o modelo atual o quanto antes para que não se tenha perdas em termos de turismo e movimentação da economia local, com a saída de grandes estrelas da festa.
Novas formas de captação
Publicitários baianos estão otimistas quanto à capacidade do Carnaval de Salvador de criar novos modelos que garantam lucros, tanto para os empresários do setor, quanto para os negócios de modo geral gerados pela folia. “Como hoje as empresas querem mais retornos reais, vejo uma tendência de criação de marcas associadas às atrações culturais, como já acontece com os teatros, cinemas e casas de espetáculos em todo o país”, afirma o publicitário Fernando Passos.
“Que tal um Camaleão Bradesco, com Bell Marques, puxando um trio sem cordas, ou mesmo um Itaú Demolidor, com Ivete na Avenida?”, questiona, citando patrocínios hipotéticos. Para Passos, mais do que participar de um grupo de patrocinadores, “com exposição de marca igual a um macacão de piloto de Fórmula 1”, o que se quer é um retorno mais efetivo para a marca, “e isso pode reverter a tendência das grandes atrações começarem a se dividir na folia”.
O também publicitário Américo Neto acredita que o Carnaval de Salvador “sempre será um bom produto para marcas de empresas pertinentes, como as de telefonia celular, bancos e cervejarias. “O que não faltam são sempre novos talentos e novas tendências culturais, e, com eles, inúmeras formas de realizar ações promocionais”.
Quanto às cotas master vendidas pela Prefeitura, ele vê a possibilidade de novos negócios para públicos alvos diferenciados, como nos carnavais de bairro. “Uma cervejaria pode ficar com um circuito popular e apostar em preços promocionais para manter o folião no bairro, por exemplo”, diz.
Marcas expostas
De acordo com dados da Empresa de Turismo de Salvador (Saltur), este ano, 245 marcas foram expostas de alguma forma nos circuitos da folia da cidade, com o total de 3.779 pontos de visualização. “Claro que o Carnaval de Salvador não seria uma ilha isolada do contexto econômico, mas os interesses revelados pela iniciativa privada para o próximo ano prova que temos, ainda assim, um produto de grande viabilidade econômica”, diz o presidente da Saltur, Isaac Edington.
O empresário Joaquim Nery, da Central do Carnaval, reconhece os efeitos da crise econômica na festa baiana deste ano. “Tivemos um impacto gerado pela nova realidade econômica do país, assim como os carnavais e eventos do tipo em todo o Brasil também devem estar sendo forçados a repensar seus modelos de negócios diante das restrições das empresas para patrocínios de modo geral”, diz.
E completa: “Não há, portanto, uma crise do Carnaval baiano, mas do setor de eventos e entretenimento, incluindo o Carnaval, por conta da realidade econômica do país”. Segundo Nery, este ano, os blocos e camarotes da empresa dele (Nana Banana e Camaleão) só conseguiram manter os tradicionais patrocinadores.
“Apenas uma empresa nova entrou como parceira”, diz. Ele acredita, entretanto, que “diante do gigantismo da festa” sempre haverá espaço para blocos, camarotes e novos negócios”.